Bolsonaro X Sérgio Moro: Quem ganha esse jogo?
Os erros da cálculo de Bolsonaro quanto a Moro ou o autoengano do pretenso estrategista
Malgrado as tentativas de Bolsonaro de tentar justificar o afastamento de Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da Policia Federal em seu pronunciamento hoje, em resposta ao do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, horas antes, quase não há dúvida de que a atitude visava atingir Moro, levá-lo à sair do governo por decisão própria.
A fala de Bolsonaro em si já traz algumas complicações para o próprio presidente. A escolha do momento para afastar um indesejável também revela erro na tomada de algumas decisões que não foram nada estratégicas.
Talvez o primeiro erro tenha ocorrido antes mesmo do início de seu governo, quando fez convite a Moro para assumir a pasta da justiça e segurança pública. É até natural que governantes troquem algumas peças por razões políticas ou estratégicas; o erro de Bolsonaro foi não perceber que Moro não cai na categoria dos dispensáveis, “demitíveis”. Demití-lo sem justificativa convincente significaria colher tempestade. Ao convidar o principal símbolo da Lava-Jato, Bolsonaro deveria ter entendido que a gestão de Moro da pasta deveria durar os 4 anos de governo. De fato o presidente parece ter tido uma noção parcial do cenário, tanto que forçou Moro a renunciar em razão da demissão do diretor-geral da PF.
O segundo erro foi, talvez, acreditar que este era o momento ideal para se livrar de Moro, já que há dias o tema da Covid-19 tem dominado a programação do jornalismo diário em todo o país. Bolsonaro deve ter calculado que este era o momento para ocasionar um fato com mais chance de passar despercebido… ou quase. Subestimou a envergadura moral e política do ex-juiz e o consequente potencial para gerar barulho. Cedo deve ter percebido o erro. Pela primeira vez em semanas o coronavírus foi momentaneamente esquecido. A saída de Sérgio Moro do governo e o conteúdo de seu pronunciamento se tornaram temas dominantes nos noticiários de rádio e tv, na internet e no jornalismo das tvs por assinatura desde o final da manhã desta sexta-feira (24). O primeiro escalão do governo deve ter ficado chocado com a monumental repercussão desse fato.
O terceiro erro de cálculo pode ter sido usar o exemplo da saída de Mandetta para criar a expectativa de tirar Moro do caminho contando com um abaixar natural da poeira em pouco tempo. É notável que houve um adequado gerenciamento da crise ocasionada pela substituição de Mandetta por Nelson Teich na pasta da Saúde. O discurso convincente do atual Ministro da Saúde e seu vocabulário mostraram alguém não leigo para o cargo, nem um desqualificado para o problema do coronavírus, o que ajudou à baixar a poeira. O problema é que, aparentemente, no governo Bolsonaro quase ninguém (pelo menos entre os mais próximos do presidente) percebeu que Mandetta não é da mesma categoria do agora ex-ministro da Justiça, ou talvez a forma como a opinião pública enxerga Moro tenha sido subestimada. Com exceção da esquerda ou extrema-esquerda com seus ressentimentos, Moro é tido como reserva moral das mais desejadas, personalidade considerada exemplar em um país que se cansou da corrupção sistemática nos últimos governos. Mexer com Moro é mexer num vespeiro, e Bolsonaro duvidou disso.
Destacaria como um quarto erro o início do discurso de Bolsonaro, na parte improvisada, quando tentou, por meio de exemplos, mostrar que é uma reserva moral equiparável ao ex-juiz. Perto da biografia de Sérgio Moro, o esforço do presidente foi de infantil ao ridículo. Até algumas narrativas não o ajudaram. E quando Bolsonaro tentou descredibilizar Moro ao dizer que “uma coisa é admirar alguém, outra é conviver com ele”, é uma fórmula fadada ao fracasso. Moro afirmar que o lema de sua equipe era “faça a coisa certa sempre, e arque com as consequências”, soa como legítima devido a credibilidade de quem o pronunciou.
Poderia mencionar como erros também a fala de Bolsonaro de que não queria a ingerência da Polícia Federal mas apenas uma interação com a instituição de estado – o que não convenceu – e algumas outras aparentes contradições. Não é preciso entrar em mais detalhes; o apedeuta engana-se que é um estrategista. Antes vale destacar a já previsível estratégia de tentar “queimar” Sérgio Moro através da disseminação de textos espúrios pelas redes sociais. O mesmo ocorreu em relação a Mandetta. Só evidencia o desespero de um governo que se especializou em gerar crises sucessivas em um momento em que a nação precisa de serenidade.