BEQUIMÃO

Você sabia que João Filho antes de ser jornalista e radialista foi trabalhador rural e pescador?

"Só aos 40 anos de idade consegui concluir o curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo", disse o agora jornalista

Já escrevi inúmeras histórias, relatos, algumas tristes, outras alegres, mas a história que vou contar a partir de agora é a minha, e baseada em fatos reais: um trabalhador rural e pescador artesanal, que sonhava ser jornalista ou radialista, e conseguiu. Sou João Filho, filho do agricultor e pescador Benedito Pereira (Bitão) e da agricultora e quebradeira de coco babaçu (Joana Pereira), que mais tarde se tornaria servidora pública após estudar e passar em concurso público em 1998. cheguei a me sindicalizar. Naquela época não havia seguro defeso para pescador ou algum programa de fomento para lavradores.

Nasci em junho de 1975 no povoado Floresta, zona rural de Bequimão-MA. Meu nome de batismo é João Benedito Pereira, mas acabei sendo batizado pelo radialista Stênio Kawasaki, como João Filho. Trabalho desde os 10 anos de idade para ajudar meus pais no sustento da família, já que somos 8 irmãos e eu era o irmão mais velho.

Desde cedo, eu já trabalhava na roça com meus pais, pescava com primos e amigos de meu pai e ainda encontrava tempo para estudar e bater uma bola no final de semana. Naquele período nem sonhávamos com internet, tudo era à base de livros, não tinham CTRL C ou CTRL V. Na roça ou no mar pescando, meu principal companheiro, além de meu pai, sempre foi o radinho de pilha. Era ouvinte Nº1 de radialistas como Juarez Medeiros, Geraldo Castro, Léo Felipe, Roberto Fernandes, Albino Soeiro, Lima Coelho, Juraci Vieira, Herberth Fontenele, Herbert Pereira, Gilson Rodrigues e Laércio Costa. Não estando na escola, eu acompanhava tudo através do motorádio a pilha de minha avó.

No cenário nacional, sempre me inspirei em radialistas e jornalistas como Wagner Monte, Carlos Roberto Massa (Ratinho), Marcelo Rezende, José Luís Datena, José Carlos Araújo, Luís Penido, Dirceu Maravilha, Nilson Cesar e Ricardo Boechat. Todos esses comunicadores fizeram parte de minha escola radiofônica por muito tempo. Alguns já nos deixaram e estão no andar de cima.

Quando criança, percorria quilômetros de estrada de barro a pé e atravessava rios cheios no período de inverno para chegar à escola mais próxima, Atanásio Martins, localizada no povoado Barroso, que fica a 3 KM da comunidade onde morava. A minha vida nunca foi fácil, cheia de obstáculos, dificuldades, mas também recheada de planos, projetos e sonhos, como até hoje. Meu maior sonho sempre foi me tornar radialista ou jornalista. Ficava encantado com as minhas referências no rádio.

Amante dos livros, sempre fui diferenciado pela forma como enfrentava e vencia os obstáculos, nunca desisti de meus sonhos, na verdade, nunca desisti de nada. Era uma referência na comunidade onde morava, por ser o único a percorrer 8 KM para estudar. Colecionei muitas derrotas, mas também inúmeras vitórias. Após concluir a quarta série no povoado Barroso, o caminho a percorrer, literalmente ficaria mais longe. Se de Floresta para Barroso eram 3 KM de distância, a rota mudaria e eu passaria a estudar na sede do município, no colégio Estado de Minas Gerais, quase três vezes mais longe de minha casa. Tive tudo para desistir, mas essa molécula nunca existiu em meu sangue.

Todas as dificuldades existentes não eram problemas para quem tinha objetivos traçados. Para chegar até a sede do município, eu teria que atravessar 2 manguezais: um de 1 KM e outro de 800 metros, literalmente na lama, já que não havia barragem e muito menos ponte, e muitas vezes com a maré ou água doce no período chuvoso no pescoço. As pontes eram uma árvore atravessada no córrego do rio com um corrimão improvisado. Nem isso me fez desistir de meus sonhos. Se fosse no atual momento tecnológico, o mundo todo saberia, já que esse trajeto seria registrado através das câmeras de celulares e colocado nas redes sociais. Mas isto tudo aconteceu a partir dos anos de 1980. Foram mais anos nessa luta, inverno e verão.

Minha labuta era dividida em tarefas. Se eu estudava pela manhã, à tarde eu teria que ir para a roça ou pescar. Se eu estudava à tarde, eu teria que ir para a roça pela manhã e a noite pescar, de acordo com o movimento da maré. A minha vida nunca foi tarefa fácil, sempre foi de luta, de batalhas, incentivado por poucos e desmotivado por muitos. Frases como: “filho de pobre não nasceu para ser doutor, ouvi milhares de vezes”. “Quem nasceu pra ser cachorro morre latindo”, muitas vezes referindo-me por eu ser filho de lavrador, teria que, obrigatoriamente, ser lavrador também.

Após concluir o antigo ginásio, veio a luta para concluir o segundo grau, algo que todo pai naquela época gostaria de ver o filho fazendo. Mas as dificuldades eram maiores ainda, já que só existia em Bequimão no período noturno e a estrada de acesso à cidade além de precária, era escura, não havia iluminação elétrica. Se as dificuldades eram grandes, a vontade de vencer na vida era bem maior. Cheguei a dormir em casas de muitas pessoas em Bequimão em noites de chuva, acordava 5h da manhã e seguia viagem para casa, já que o trabalho pesado me aguardava diariamente.

Toda rotina de vida mudaria. Mas o trabalho na roça e na pesca continuava. A grande questão era que, já jovem, também precisava trabalhar na diária com algumas pessoas para ganhar dinheiro e suprir minhas necessidades e ainda ajudar meus pais. O desafio era muito grande, sair da roça para tentar conseguir ingressar em uma universidade era algo muito distante de minha realidade. Meu maior problema não era sair, era justamente deixar meus pais com ainda 7 filhos pequenos, dependendo apenas de uma agricultura de subsistência. Naquele período, minha mãe já era funcionária pública, mas o salário que recebia dava apenas para comprar café, açúcar, sabão, creme dental, sabonete, e o básico de uma casa.

Sempre tivemos muita farinha, muito arroz, muito feijão, muito milho, mas não tínhamos para quem vender, já que todos os agricultores da região produziam também. No comércio da cidade, que ainda era muito fraco, os comerciantes queriam comprar muito barato, na tentativa de explorar para se dar bem. Os governantes em nível federal eram cruéis, estávamos nos livrando de Sarney e entrando na era de Fernando Collor, que faliu os mais pobres ao ficar com o dinheiro da caderneta de poupança.

Sem dinheiro para fazer um cursinho na capital maranhense, apesar de ter onde morar, e aperfeiçoar o conhecimento ainda mais, tive que aproveitar bem as aulas no segundo grau, já que a escola José Pereira Damasceno, onde eu estudava tinha professores bons em todas as disciplinas, inclusive com aulas aos sábados.

Mas como estudar aos sábados o dia inteiro, sem dinheiro para comprar comida na cidade? A saída foi a solidariedade de pessoas como o Padre Paulo (In Memória), um canadense que me dava almoço todos os sábados, e após conhecer minha luta, passou a me oferecer o jantar durante a semana e local para tomar banho e trocar de roupa na casa paroquial, já que percorria 8 KM em estrada de barro, inverno e verão. No final de semana, tinha que escolher entre bater uma bola ou mergulhar nos livros. As vezes conseguia fazer as duas coisas.

Em 1995 concluí o tão sonhado segundo grau, mas continuaria trabalhando na roça e pescando. Parecia que tudo estaria se encerrando ali. O meu professor de física, Nestor Júnior, era também secretário de Educação do Município, sabia e reconhecia minha luta. Ele me ofertou meu primeiro trabalho de carteira assinada, mas fiquei apenas dois anos. Precisava dar voos mais altos e buscar realizar meu sonho.

Em dezembro de 1996, perdi minha avó, um grande pilar, que me dava suporte moral e psicológico, apesar de ser analfabeta, sua experiência de vida me ajudava muito, através de seus conselhos, o que me tornava cada dia mais forte para as batalhas. Em janeiro de 1997 tive de ir embora, deixando para trás a terra onde nasci, meus pais e irmãos, meus amigos de infância, mas precisava buscar concretizar meus sonhos. Convidado por um amigo de infância, o destino foi São Paulo. Lá, nada deu certo, acabei voltando 3 meses depois para o Maranhão.

Em São Luís, fui morar na casa de parentes no bairro Liberdade, consegui um trabalho na obra de construção do elevado do Calhau, de onde fui embora para Belém-PA a convite do amapaense José Isaías que era mestre de  obra. Cheguei a morar na zona rural de Maracanã-PA e também em Macapá-AP. Trabalho tinha, mas eu não estava procurando apenas emprego, tinha um grande sonho a realizar.

Acabei voltando para São Luís, onde comecei a trabalhar como zelador de um hospital particular. Cheguei a me interessar pela enfermagem, radiologia, inclusive fiz o curso de técnico em enfermagem, mas o sangue que pulsava em minhas veias era radialismo e jornalismo. Foram 5 anos de empresa, pouco reconhecimento e ainda fui demitido por justa causa, já que segundo uma das proprietárias do hospital, eu queria ser jornalista e não podia mais trabalhar aos sábados, como se estudar e sonhar fossem crime. Minha saída desse hospital abriu novos caminhos, comecei a trabalhar na rádio Cultura FM do Maiobão aos domingos, onde conheci Stênio Kawasaki, profissional que me deu a primeira oportunidade de falar em uma rádio FM.

Em janeiro de 2005, a convite do primo Hailton Rodrigues, viajei para o Rio de Janeiro, onde as perspectivas e oportunidades eram bem maiores que no Maranhão. Lá, encontrei novas dificuldades, comecei a trabalhar, fiz curso de rádio, e iniciei as buscas por uma vaga no rádio carioca. Dormia 3h por dia, já que o restante do tempo era para trabalhar e estudar.

Foi difícil minha chegada ao Rio de Janeiro, até que por acaso, encontrei o radialista Carlos Ramiro, pernambucano fenomenal, um ser humano de um coração abençoado, que me apresentou para o empresário e radialista Cláudio Neves, que me deu uma oportunidade na rádio Carioca 710 AM na equipe de esportes. Comecei como produtor e logo assumi o comando do programa Carioca na Bola. A partir dali o mundo da comunicação se abriu na minha vida.

Só anos depois de passar pelas rádios Carioca AM, Rádio 1440 AM, Rádio Fluminense AM 540 e rádio Opção News FM, e juntar um trocado, que ingressei na faculdade, onde iniciei meu curso de jornalismo na Unicarioca e conclui na Estácio São Luís em junho de 2015.

A luta foi grande, mas só aos 40 anos de idade consegui meu tão sonhado diploma de um curso superior em Comunicação Social. Duas décadas antes, já trabalhava como locutor de rádio. Como já falei anteriormente,  trabalhei em 4 emissoras no Rio de Janeiro-RJ, algo inédito para quem nasceu na zona rural de Bequimão-MA. Foram muitas quedas, algumas que cheguei a demorar para levantar, mas encontrei amigos, que me deram a mão e sustentáculo para que eu estivesse de pé até hoje.

Com experiência na bagagem, voltei ao maranhão onde trabalhei nas rádios Mais FM 99,9 MHZ, Cidade FM 99,1 MHZ, Nova FM 93,1 MHZ, Maracú FM 93,9 MHZ, Educadora AM 560 KHZ, Difusora AM 680 KHZ, Timbira AM 1290 KHZ e Capital AM 1180 KHZ. Atualmente apresento um programa na Ilha FM 106,3 MHZ e edito o Portal G7 (www.g7ma.com) e meu blog www.joaofilho.com.

No meu histórico de vida, não me envergonho de dizer que trabalhei como agricultor e pescador, mas cheguei a quebrar coco babaçu com a minha mãe, vender juçara e limão de porta em porta na cidade, trabalhei como zelador de hospital, estoquista de supermercado, professor de escola pública, vendedor ambulante no Centro do Rio de janeiro, bordador, até me tornar locutor de rádio e mais tarde jornalista e radialista. Por isso, que críticas e elogios têm o mesmo peso para mim, como pessoa e profissional.

Revendo minhas lutas, trajetória pessoal e profissional às vezes acho que fui muito longe em comparação às pessoas de minha idade, que nasceram na mesma época e comunidade, e que tinham maiores possibilidades que as minhas. Ainda não me considero um vencedor, sei que estou classificado para as semifinais da vida, com amplas chances de chegar à final e definitivamente ser campeão de fato e de direito de uma competição que Deus me colocou sem mostrar as regras do regulamento.

Para finalizar, vou agradecer pessoas que me incentivaram direta e indiretamente para que essa história fosse contada dessa forma hoje. Primeiramente a Deus, meus pais, irmãos, minha esposa Regina Célia, que foi fundamental em alguns trechos desse percurso, primos como Gilberto Rodrigues, Raimundo Rodrigues, Hailton Rodrigues, Adeilton Rodrigues, amigos como Raimundo Nonato (In Memória), Juca Martins (In Memória), Carlos Ramiro (In Memória), Cláudio Neves, Fábio Menezes, Léo Felipe, Flávio Chocolate, Osvaldo Maya, Paulinha Lobão, Albino Soeiro e Juraci Vieira (In Memória).

Mas bem antes tiveram aqueles que ajudaram na montagem do alicerce, base principal de uma grande construção, como Padre Paulo (In Memória), Martinha de Anacleta (In Memória), Raimunda Calher (In Memória), Marquinho Canguri (In Memória), Atanásio Soares (In Memória), Lenir Gonçalves (In Memória), Maria do Carmo (In Memória), Alípio Garcia, Dona Albertina e Seu Antônio Curitiba, Zé Lopes, Seu Nhuca (In Memória), Seu Joaquim Ferreira (In Memória), Adelman Ribeiro (In Memória), Zé Mingau (In Memória), meus padrinhos Peduca (In Memória) e Hilton (In Memória), Lenoca de Zeca, professoras Dona Jovem e Fátima Gonçalves, além de tantos outros, que ajudaram mesmo que fosse com um pão, almoço ou até mesmo com espaço para que eu pudesse dormir em suas casas em noites chuvosas. Tudo isso me deu forças, foram investimentos sentimentais que jamais posso esquecer e me fortalecem até hoje.

Sou muito grato por tudo e por todos!..

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