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Pensamento freiriano: A esperança para uma educação crítica

Artigo escrito pela estudante de pedagogia da UFMA, Sandra Fragoso

O mundo da educação, neste dia 19 de setembro de 2021, reverencia Paulo Freire em comemoração ao seu centenário, considerado o mais expressivo pensador brasileiro das problemáticas socioeducacionais, seus escritos de ciências sociais são os mais citadas no mundo. Como sempre incomodou os fiéis à ditadura militar, o presidente Bolsonaro, seus filhos e a sua fiel tropa de apoio tentam denegrir a sua memória, enquanto o mundo inteiro a vangloria. Para entender a grandiosidade do autor que dá nome a 20 institutos pelo mundo afora, inclusive em países que são referências em educação, à exemplo da Finlândia, Alemanha, Estados Unidos, Suíça, China e que estão entre os primeiros lugares de 75 países- o Brasil ocupa a 60° posição- no ranking mundial do exame do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), conheçamos um pouquinho de sua obra.

Formado em Direito pela Universidade de Pernambuco, mas desde os 21 anos preferiu seguir o magistério. Dono de vasta obra literária de víeis existencialista- mais de 30 livros publicados- voltadas para a relação sociedade e educação. Seu envolvimento em projetos de educação popular se deu a partir do contato que manteve com camponeses e operários entre 1940 e 1960.  Experiências que significaram a elaboração do seu inovador Método de Alfabetização para Adultos- onde, em 1963, alfabetizou 300 trabalhadores rurais em 40 horas, na cidade de Angico (RN). A proposta é educar a partir da realidade, do repertório vocabular do aluno, das suas experiências, pois, segundo Freire, este já traz uma história de vida, não é uma ‘caixa vazia’. O sonho de expandir o projeto de educação popular foi castrado pela perseguição que sofria da ditadura militar. O esclarecimento dos marginalizados e a concretização do direito ao voto não combinam com o pensamento do sistema opressor, onde expandir o conhecimento é considerado subversão, foi preso. Freire foi exilado no Chile 1968. Era constantemente convidado para professar em vários países, inclusive na Universidade de Harvad, Oxford e Cambridge. Com a anistia, retornou ao Brasil em 1980. Faleceu em 1997, aos 75 anos.

Freire se destacou e destaca-se por defender uma pedagogia que enxergue os “invisíveis”, os pobres e as minorias marginalizadas esquecidas pela sociedade. Através de escritos problematizadores procura despertar no leitor a curiosidade de decifrar o mundo à sua volta, de questionar a realidade e sua posição de fala dentro dos grupos sociais. Para Freire, os questionamentos e reflexões da sua existência- condições de trabalho, moradia, infraestrutura, exploração do patronado – provoca no indivíduo a tomada de consciência de classe, pressuposto essencial para lutar e reivindicar os seus diretos, fortalecendo os sindicatos e se fazendo ouvir dentro da sociedade opressora.

Porém, apesar do reconhecimento mundial ao belíssimo trabalho desenvolvido pelo teórico reconhecido em mais de 39 títulos em Doutor Honoris Causas ao redor do mundo, uma rede de ataques à sua memória e Metodologia   de Alfabetização, se orquestrou de forma irresponsável e leviana, visto que as falas demonstram total desconhecimento de pelo menos uma linha dos escritos do teórico. Para falar sobre Freire, precisa ler Freire. Não é linguagem muito fácil, principalmente para quem sofre de cegueira política e se alimenta da sua própria ignorância. Mas por que Freire causa tanto incômodo na gestão de Bolsonaro e no seu grupo de apoio?

 A resposta é simples: a pedagogia problematizadora, dialógica, libertadora e humanizadora em Freire. Dentro de seus vários escritos, Pedagogia do Oprimido, traz uma reconceituação sobre o papel do aluno, do professor, na forma de aplicar os conteúdos e de enxergar o papel da escola no processo educacional. Freire, desenvolveu críticas aos métodos tradicionais de ensino e aprendizagem, ao denunciar que este coloca o professor como único detentor do saber e o aluno como ator passivo, visto que a sua opinião é ignorada, calando a sua voz e, assim, negando ao educando o desenvolvimento do senso crítico. O aluno se torna um ‘deposito de conteúdos’, que denominou de’ educação bancária’. Freire chama atenção para as incidências de uma educação hermética, que não dá chances ao aluno de questionar a realidade, que ignora o conhecimento do aluno, castrando a formação de opinião deste.

A Pedagogia do Oprimido contraria essa visão acrítica de educação, através de reflexões, sugestões e ações pedagógicas mais inclusivas que, diferentemente do pensamento tradicional, coloca o professor em horizontalidade com o aluno, ou seja, além de provocar o diálogo e a possibilidade do aprendizado ser recíproco, trabalha os conteúdos a partir da cultura e realidade do educando, de suas experiências e vivências rotineiras. A intenção vai para além de tornar os conteúdos mais significativos e a linguagem mais acessível ao desfavorecido socialmente, é instigar no aluno a criticidade, o questionamento da sua existência dentro da sua comunidade e no mundo. Freire, destaca que a horizontalidade se faz essencial para problematizar os conteúdos e perceber as singularidades de cada um, além das palavras geradoras, esses são aspectos da educação humanizadora, problematizadora e libertadora em Freire. Sim, libertadora porque o conhecimento liberta, emancipa os sujeitos das amarras do sistema opressor capitalista, onde a massa não passa de poder de mão- de- obra barata, explorada pela sistema capitalista, se  manobra fácil para o estado assistencialista que só devolve migalhas para o povo no que chamam de políticas sociais.

Esses que culpabilizam a pedagogia em Freire pelo fracasso educacional do Brasil, são  desinformados e ignoram qualquer conhecimento dos conflitos existentes no campo educacional, marcado pela disputa de poder através do currículo e das políticas educacionais públicas assujeitadas aos avais dos organismos internacionais, representados no BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), UNESCO ( Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), OCDE(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e outros. O brasileiro, mais uma vez, ao atacar levianamente o patrono da educação mundial, confirma sofrer do’ complexo de ‘vira-lata’- descrito pelo jornalista Nelson Rodrigues em 1958- pontuando que o brasileiro possui alto grau de inferioridade em relação aos outros países, não dando valor aos que representam a sua imagem, “narcisismo às avessas”.

Não queremos aqui colocar os pensamentos Freirianos como redentores da educação, até porque entendemos que o processo educacional se revela muito complexo que, além de precisar ser dialogado entre a escola, o professor, o aluno e a comunidade, faz-se necessário vontade política para que haja tal harmonia para que se concretize na prática, e a vontade política imperante sempre foi ignorar a importância de uma educação digna e esclarecedora para os marginalizados. Não existe fundamento jogar em Freire a responsabilidade pela permanente crise educacional no Brasil, visto que só esteve em dois rápidos momentos como gestor educacional, sendo: como citado acima no projeto em Angico para combater o analfabetismo em 1964 e, como titular da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (1989 – 1991). Além do mais, o Estado é o responsável pela educação.

A intenção dessa escrita é traduzir a máxima do pensamento em Paulo Freire, quando defende que não existe neutralidade na educação, pois esta é um ato político, tudo que acontece na educação traz uma intenção política, geralmente disfarçada nas entrelinhas. Quem se diz neutro, na verdade está apoiando um sistema educacional que exclui, que segrega, que não se faz democrático apenas pelo acesso à escola, pois a democracia se revela na equidade. Em suma, acredito que o teor do texto explanando pensamento defendido por Freire, explica os ataques e o descrédito à sua pedagogia que, traz em seu eixo central o despertar da consciência em si e do outro. Na verdade, as agressões desse grupo não nos causa espanto, porque sabemos que a escuridão e a luz jamais se unirão.

Que as comemorações pelo centenário de Freire, desperte no campo educacional e na sociedade como um todo o amor, a poesia, a rebeldia, a utopia e a indignação, sentimentos necessários- mas infelizmente raros hoje em dia- que fizeram gerações inteiras  se voltarem contra aqueles que os oprimiam e tolhiam os seus direitos sociais, de liberdade e de expressão. Com a palavra, o mestre:

“Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?”, perguntou Paulo Freire ao afirmar sua visão.

Por Sandra Fragoso – Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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12 Comentários

  1. Que artigo gostoso de ler. É muito importante enaltecer Freire, um dos maiores pensadores brasileiro.
    Educar é um ato de amor.
    Viva a educação.

  2. Quero parabenizar a Sandra Frangoso,como sempre arrasando em seus artigos ,trazendo pontos muito importantes do nosso maravilhoso Paulo Freire que sempre quiz o melhor para a educação do nosso país.

    1. Sandra tem uma mente brilhante, tem o dom com as palavras e o discernimento de poucos a respeito das problemáticas! Arrasa, amiga. O mundo é teu!

      1. Janaína sendo Janaína , ‘’se não for pra rasgar seda nem me chama’’ kkk. Feliz que a distância nos aproximou. Obrigada pelo carinho contido nas suas palavras!! O mundo é nosso!!!

  3. Excelente reflexão que contextualiza de forma bem didática, clara e precisa, os principais elementos que caracterizam uma educação libertadora, que objetiva formar o sujeito crítico de sua realidade, questionador da estrutura opressiva do sistema capitalista, uma educação em que educador e educando, juntos, possam mergulhar na realidade social e história de vida que cada aluno traz, colhendo a visão destes e, ao toma-la como problema, exercite uma volta crítica no sentido de inserir cada vez mais as pessoas na lucidez de compreender a todo o momento a realidade que se transforma, algo que incomoda tanto esse desgoverno atual, em que em algum momento sequer, priorizou ou priorizará a educação, porque formar um sujeito consciente das estruturas de opressão e desigualdades, e que não naturalizam tais formas de injustiças, não é e nunca será sua meta.

  4. Maravilhoso seu artigo Sandra ???. Paulo Freire um dos grandes mestres da educação. Construiu uma concepção pedagógica , voltada para construção de uma sociedade ( democrática, respeitada e justa). Artigo excelente !!

  5. “…não existe neutralidade na educação, pois esta é um ato político…” ( FRAGOSO, 2021).
    A educação liberta o homem da caverna e permite uma visão crítica da sua realidade e necessidade. Parabéns Sandra por compartilhar seu maravilhoso artigo e por nos provocar a pensar criticamente e politicamente. Abraços…

  6. Parabéns Sandra pelo maravilhoso artigo, excelente reflexão com uma escrita muito prazerosa e críticas muito relevante para a nossa sociedade atual.

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