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Em carta, deputado Jean Wyllys acusa Estado de omissão

“Estava em prisão domiciliar sem ter cometido crime”. Leia a íntegra

Em carta destinada aos colegas de partido, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) diz que resolveu desistir do novo mandato e deixar o Brasil devido, entre outros fatores, ao silêncio do Estado brasileiro – especialmente da Polícia Federal – em relação às ameaças que vinha sofrendo e às denúncias que fazia.

No texto (veja a íntegra mais abaixo), que será lido na reunião da executiva nacional do partido neste sábado (26), Jean afirma que as agressões e intimidações se intensificaram no último ano após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol), sua amiga pessoal. Um ódio, segundo ele, intensificado nas redes sociais ao longo do ano eleitoral de 2018.

“Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano”, afirma o primeiro deputado gay assumido a empunhar a bandeira LGBT na Câmara.

Entre aspas

“Mesmo diante da medida cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio”, reclama.

Em 20 de novembro do ano passado, a OEA cobrou do governo brasileiro medidas protetivas para Jean Wyllys, relatando uma série de ameaças ao parlamentar. Em entrevista à BBC Brasil, a relatora do caso, a advogada chilena Antonia Urrejola Noguera, disse que o governo brasileiro falhou em relação ao deputado.

O Congresso em Foco procurou a Polícia Federal para comentar o assunto, mas nenhum assessor atendeu às ligações durante 20 minutos. A reportagem será atualizada assim que houver um posicionamento da PF sobre as críticas do deputado.

Ligações estreitas

Jean disse que foi nesta semana, com a divulgação de que há “ligações estreitas” entre milicianos acusados de matar a vereadora e pessoas que se opõem publicamente às suas bandeiras, que teve a convicção de que, para sua saúde física e emocional, deveria tomar uma decisão para não continuar a “viver de maneira precária e pela metade”. Sem citar nomes, o deputado faz alusão ao senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que empregou a mãe e a mulher do líder de um grupo de milicianos suspeito de participar do assassinato de Marielle.

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Castigo sem crime

O deputado conta que, diante das ameaças e da necessidade de escolta, sente-se vivendo em cárcere privado ou prisão domiciliar. “Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime”, afirma.

“Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida”, explica.

Bolsonaristas

Jean anunciou nesta quinta-feira (24), em entrevista à Folha de S.Paulo, sua decisão de abrir mão do mandato de deputado federal para o qual foi eleito em outubro e de deixar o país em razão das ameaças de morte que sofre. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro levaram a hashtag #InvestigarJeanWillis ao topo dos assuntos mais comentados do Twitter no Brasil. Influenciados pelo vereador Carlos Bolsonaro, e pelo cantor Lobão, os usuários tentam associar o deputado e seu partido, o Psol, a Adélio Bispo, autor da facada contra Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). Adélio foi filiado ao Psol.

“Quando um parlamentar noticia que a causa da renúncia é ameaça, penso ser imperioso investigar. Já não é uma situação pontual, atinge a Democracia”, afirma Janaína Paschoal. 

A deputada estadual eleita Janaína Paschoal, que é do partido de Jair Bolsonaro, saiu em defesa de Jean Wyllys.  “A renúncia é um ato pessoal, unilateral. Surpreende, mas um parlamentar tem direito a renunciar. No entanto, quando esse parlamentar noticia que a causa da renúncia é ameaça, penso ser imperioso investigar. Já não é uma situação pontual, atinge a Democracia”, alerta a deputada mais votada da história do país, com mais de 2 milhões de votos. “Essa minha percepção independe de quem seja o parlamentar e de qual seja o partido. Não podemos achar normal o que aconteceu ontem.”

VEJA A CARTA NA ÍNTEGRA

Veja a íntegra da carta de Jean Wyllys:

“À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol

Queridas companheiras e queridos companheiros,

Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.

Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.

Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.

Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.

Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.

Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.

Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.

Esta semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.

Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.

Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.

Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.

Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!

Jean Wyllys

23 de janeiro de 2019″

Jean Wyllys desiste do mandato e deixará o país após ameaças de morte

Por Congresso em Foco

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