Paricatiua: Um Paraíso Recôndito do Maranhão
Artigo escrito pelo professor da Universidade Federal do Ceará, José Lemos, que nasceu em Paricatiua
Paricatíua é um pequeno e belo povoado do município de Bequimão. Está situado às margens do majestoso Rio Itapetininga que é influenciado pelo movimento das marés.
Ali pulsam vidas imersas na enorme e profunda lamina d’água do rio e nos terrenos ciliares enlameados de onde brotam, majoritariamente, os manguezais. É berçário, fonte de alimentação, de reprodução e de vida para peixes, caranguejos, aves, e tantos outros animais, numa diversidade incrivelmente rica.
Aquele lado belo do nosso Estado faz parte da Baixada Ocidental Maranhense (o nosso Pantanal) que tem características de pluviometria, fisionômicas, de revestimento florístico e de fauna amazônicos. Para se alcançar esse belo recanto terrestre, temos que atravessar de “Ferry Boat” a Baía de São Marcos que é, a um só tempo, intensa, esplendorosa, perigosa e fascinante.
É uma “viagem” fazer uma viagem (trocadilho proposital) naquela travessia! Alcança-se o Porto do Cujupe, em Alcântara, onde desembarcamos do “Ferry”. Dali até Bequimão são 40 km de estrada asfaltada e mais 15 km de estrada carroçável para alcançar o Paraíso.
Paricatiua reúne um conjunto harmonioso, esculpido pela natureza. Tem um céu quase sempre azul durante o período de “verão” (estiagem de chuvas), ou cinzento, carregado de nuvens repletas de águas, no “inverno” (quadra chuvosa, quase sempre generosa). Isso faz do povoado um pequeno paraíso escondido, mas de fácil acesso.
A população atual se aglomera em torno de 200 famílias (aproximadamente mil pessoas). Tem um biótipo bastante peculiar (parecido com o meu, com acentuados traços indígenas) e um jeito de falar característico: O “maranhês” peculiar daquele lado do Brasil.
O povoado, como já descrevi, é predominantemente habitado por pescadores e agricultores. Esses últimos, em sua grande maioria, são posseiros das terras que cultivam. A principal “roça” é a da mandioca. Em geral praticada em terrenos que não passam de um hectare (três “linhas” ou três “tarefas”, as unidades de medida de área dali). A mandioca é utilizada principalmente para a fabricação de farinha d’água, uma iguaria deliciosa que faz parte da dieta dos maranhenses, em geral, e dos “Baixadeiros” em particular.
Da mandioca também se extrai a tapioca, ou goma, que é utilizada para a produção de outros sabores como o gostoso beiju, ou o bolo de tapioca. Delicias para tomar um belo, regional e nutritivo café da manhã. Ou em qualquer hora do dia ou da noite.
Os agricultores também criam, soltos pelo povoado, ovinos e caprinos, de raças indefinidas, já adaptadas às condições de umidade do povoado. Também há pequenas criações de gado bovino, feitas de forma extensiva e também solto pelos “campos” de Paricatíua. Nos quintais das casas, as famílias plantam fruteiras e criam galinhas, patos e perus. Quase sempre também fazem criação de “bacurinhos”, os porcos “pé-duros” caseiros.
Em função do movimento das marés, forma-se no entorno de Paricatíua os “apicuns”. Áreas salinizadas, planas, que proporcionam um belo espetáculo quando a maré está em baixa ou já “se foi”. Nesses momentos se forma uma enorme planície esbranquiçada que faz contraste com o verde dos mangues e com o azul do céu. Ali circula uma brisa que trás um delicioso aroma de chão, de natureza, de vida pujante!
Etimologicamente, Paricatíua seria um lugar abundante em Paricás. O sufixo “tiua” significa: abundancia. Essa é uma espécie de origem amazônica. Tem o porte arbóreo e é da família das Fabaceae, a mesma das acácias, flamboyants, algarobas, ingás.
Trata-se de uma árvore de muitas utilidades. Pode ser explorada comercialmente a partir de 15 anos. Contudo, encontrei na literatura trabalhos acadêmicos que mostram que árvores com 18 meses de idade apresentaram 4 m de altura e 10 cm de diâmetro à altura do peito (aproximadamente 1,30 metros a partir do solo). A árvore adulta, pode atingir 40 metros de altura e 25 metros de fuste. Um esplendor!
Árvore de mil e uma utilidades. Bastante utilizada na produção de móveis. No Pará, há madeireiras que produzem chapas de compensados uniformes de alta qualidade. Material que é exportado, principalmente, para os Estados Unidos. A madeira de Paricá é também útil como lenha e na produção de pasta para celulose. Além disso, tem uso em medicina popular na forma de chás caseiros, usados contra disenteria e hemorragia uterina.
Um fato inusitado. Em Paricatiua não conseguíamos encontrar um único exemplar da árvore. Por isso idealizamos um projeto que poderia levar exemplares da espécie. No ano de 2018 mobilizamos lideranças locais e professores da escola municipal.
Conseguimos a doação de uma área de aproximadamente um hectare. O Professor Gusmão da UEMA entrou no circuito, voluntariamente para, junto com os seus Bolsistas, plantar as sementes em viveiro nessa Universidade. O trabalho foi facilitado porque os componentes do “Fórum da Baixada”, na época sob a liderança da Ana Creusa, conseguiram as sementes. O Prefeito de Bequimão se entusiasmou com o projeto e nos prestou todo o apoio. Todos ficaram entusiasmados com a criação do “Bosque dos Paricás”.
Em janeiro de 2019, fizemos uma bela festa, para o plantio em mutirão de 300 mudas de Paricás. A maioria delas vingou. Contudo, algumas não resistiram aos rigores do “verão”. Neste domingo, 28 de junho, os meus conterrâneos se reuniram num mutirão de limpeza e reposição das mudas. Proporcionaram um belo espetáculo de solidariedade com a natureza e com as futuras gerações de Paricatiuenses. Fica claro que o sucesso do projeto se ancora no envolvimento deles e no fato de terem se apropriado e tomado de conta dele.
Esse é um espaço que tornará ainda mais belo o pequeno e recôndito paraíso terrestre chamado Paricatiua. Onde está enterrado o meu umbigo. Onde estão as minhas origens familiares. Lugar em que eu vi pela primeira vez a luz neste Belo Planeta Azul.
Por José Lemos (Professor Titular na Universidade Federal do Ceará)