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TRETA: Ministro de Lula, Juscelino Filho usa R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar estrada que dá acesso a sua fazenda em Vitorino Freire-MA

Deputado federal licenciado, bolsonarista de primeira hora, aterrizou no governo Lula cheio de tretas às escondidas

O deputado federal licenciado e ministro das Comunicações do governo Lula, Juscelino Filho (União Brasil), direcionou R$ 5 milhões do famoso orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA). A propriedade também abriga uma pista de pouso para seu avião particular e um heliponto. Faltava uma boa estrada para levar sua família até a Fazenda Alegria.

O Estadão mapeou o caminho do dinheiro. Todo o percurso liga pessoas da intimidade do ministro. A pedido de Juscelino, os recursos foram parar na cidade que tem a irmã dele como prefeita. A empresa contratada pelo município para tocar a obra é de um amigo de longa data. E o engenheiro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) que assinou o parecer autorizando o valor orçado para a pavimentação foi indicado por seu grupo político.

Cinco meses após a assinatura do contrato, em julho de 2022, o empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido como Eduardo Imperador, foi preso pela Polícia Federal, acusado de pagar propina a servidores federais para obter obras na cidade e de ser sócio oculto da empresa Construservice. O engenheiro da Codevasf, estatal controlada pelo União Brasil, partido do ministro, foi afastado sob suspeita de receber R$ 250 mil em propina de Imperador. Juscelino admite que ele e o empresário beneficiado com recursos de sua emenda secreta são “conhecidos há mais de 20 anos”.

Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comandar uma das principais pastas do governo, com orçamento de R$ 3 bilhões, Juscelino era até o ano passado um deputado federal do baixo clero, eleito para o terceiro mandato. Nunca teve influência nas discussões nacionais, muito menos no setor de radiodifusão. Tinha, porém, força no Centrão, o bloco de partidos que dá as cartas do poder. Nos últimos quatro anos, apresentou seis projetos de lei, entre eles o que estabelece o Dia Nacional do Cavalo, animal criado em suas terras.

Juscelino Filho destinou R$ 50 milhões em emendas sigilosas; parte foi para prefeitura da irmã, que contratou empresário preso por corrupção e seu ‘conhecido’ de longa data

A proximidade com o grupo que apoiou o então presidente Jair Bolsonaro, em troca do orçamento secreto, não só alçou Juscelino à condição daqueles políticos que mais manejaram recursos do esquema como o levou ao primeiro escalão de Lula.

O Estadão conseguiu identificar R$ 50 milhões. Destes, o deputado despachou R$ 16 milhões para Vitorino Freire, onde sua família costuma revezar o poder com aliados, desde os anos 1970.

Foi nessa época que Vinícius Aurélio Rezende, avô de Juscelino, iniciou a dinastia no município. Juscelino Rezende, pai do ministro, também comandou a prefeitura por dois mandatos. Sua família tem dezenas de fazendas, e ao menos oito foram beneficiadas pela estrada que ele mandou asfaltar com verba pública.

Esquema

Vitorino Freire é uma cidade pobre, com 31 mil habitantes, na zona rural do Maranhão, com saneamento básico precário e onde 42% da população não tem calçamento na frente de casa. Metade dos moradores vive com meio salário mínimo. A prioridade do ministro, porém, foi usar o orçamento secreto para pavimentar a estrada que atende suas propriedades e de sua família.

A obra foi orçada em R$ 7,5 milhões, dos quais R$ 5 milhões são para fazer um trecho de 19 km em frente às suas terras e o restante atende 11 ruas em povoados da cidade. Juscelino indicou a verba do orçamento secreto para fazer a estrada em 2020, quando era deputado federal. Às vésperas da eleição, no ano passado, mais R$ 1,5 milhão foi liberado.

Na campanha, Lula disse que o orçamento secreto era o maior esquema de “bandidagem” da República. “O Orçamento é chamado de secreto porque o destino desses recursos é mantido em segredo. Mas todo mundo sabe para onde esse dinheiro vai: fraudes e desvios de verbas”.

Então governador do Maranhão, o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, classificou a prática como “o momento de maior corrupção da história política”. O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o orçamento secreto, revelado pelo Estadão, e mandou pôr fim à distribuição de recursos sem critérios.

Antes disso, no entanto, a Corte determinou aos deputados e senadores que se beneficiaram do esquema que informassem quanto de verba haviam direcionado. Juscelino, agora ministro de Estado, omitiu as informações do STF. O Estadão encontrou suas digitais na nota de empenho dos R$ 7,5 milhões.

Fiança

A empresa Construservice, contratada pela prefeitura para fazer o asfalto, pertence a Eduardo Imperador. Ele chegou a ficar quatro dias preso e foi solto após pagamento de fiança. Na investigação, a Polícia Federal indicou que Imperador usou os nomes de Rodrigo Gomes Casanova Junior e Adilton da Silva Costa como laranjas. Não foi a primeira vez que recursos direcionados pelo ministro foram para a Construservice. O valor totaliza R$ 9 milhões.

Quando se reelegeu deputado federal, em outubro, Juscelino informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de R$ 4,4 milhões. Entre seus bens estão um avião Piper PA-34-220T Seneca V no valor de R$ 550 mil. O ministro divide a propriedade do avião com um tio, o ex-deputado estadual Stênio dos Santos Rezende.

De 2019 a 2022, pediu à Câmara reembolso de R$ 122 mil em combustível de aviação. O Congresso permite esse tipo de despesa, desde que a viagem esteja ligada ao mandato.

Em nota enviada ao Estadão, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, confirmou ter enviado verba do orçamento secreto para asfaltar a estrada que passa por sua Fazenda Alegria. Ele também admitiu conhecer o empresário Eduardo José Barros Costa, o Eduardo Imperador, apontado pela Polícia Federal como sócio oculto da empresa Construservice, que receberá pelo serviço.

“É conhecido de Juscelino Filho há mais de 20 anos, antes mesmo de se tornar parlamentar”, destaca a nota encaminhada pela assessoria do ministro. Juscelino disse que as fazendas beneficiadas pela obra estão desde os anos 1980 nas mãos de sua família. Mas observou, por meio de sua assessoria, que elas são cercadas por “inúmeros povoados”.

“Considerar que a estrada de 19 km de extensão, que recebeu, sim, recursos de emenda do parlamentar via convênio com a Codevasf, beneficiou apenas sua propriedade é no mínimo leviano, uma vez que a estrada liga os povoados de Estirão e Jatobá”, diz um trecho do comunicado. Dos R$ 7,5 milhões enviados por ele, R$ 5 milhões são para fazer o trecho que o beneficia. Os laços familiares e afetivos do ministro com a região são “profundos”, segundo a nota. “É natural e previsível que na qualidade de parlamentar, Juscelino Filho tenha o com promisso de levar recursos para a região, sua base política”. O titular das Comunicações assinalou que as propriedades rurais da família “são frutos de investimentos realizados ao longo de décadas” e passam “de pai para filhos”.

Prefeitura

O secretário de Administração de Vitorino Freire, Josué Lima de Alencar, afirmou que a escolha das estradas para receber o asfalto foi feita pelo município e que a empresa foi selecionada de acordo com os pré-requisitos da licitação.

“Licitação pública não tem escolha de prefeito, não tem escolha de deputado. O senhor é repórter, deve saber como é feita uma licitação, né?”, perguntou. Alencar desligou o telefone quando questionado por que a prefeitura decidiu asfaltar a estrada que passa em frente à fazenda de Juscelino. O Estadão tentou localizar a prefeita de Vitorino Freire, Luanna Rezende (União Brasil). As mensagens não foram respondidas. Irmã de Juscelino, ela aparece nos registros oficiais como dona de ao menos um dos imóveis cortados pela estrada que será pavimentada com verba enviada pelo ministro. Os demais pertencem a Juscelino ou à mulher dele. Em Vitorino Freire, o haras está em nome de Luanna. Procurado, o advogado Tharick Santos Ferreira, que atua na defesa da Construservice e de Eduardo Imperador, não se manifestou.

Por O Estado de São Paulo

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