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Mais um deputado do PSL será investigado por falcatruas

O deputado Rodrigo Amorim será investigado por suspeita de ter sido funcionário fantasma em Mesquita

RIO DE JANEIRO – O deputado Rodrigo Amorim (PSL) , o mais votado para a Alerj no ano passado, será investigado em um sindicância da prefeitura de Mesquita por suspeita de ter sido funcionário fantasma por quase um ano. Amorim, que ficou conhecido durante as eleições por exibir com orgulho uma placa quebrada da vereadora assassinada Marielle Franco, foi subsecretário de Governo e Planejamento de Mesquita entre 2015 e 2016. Nos mesmos anos, ele atuou também na Câmara Municipal do Rio, no gabinete do então vereador Jimmy Pereira. A duplicidade de cargos públicos ocorreu ainda entre 2011 e 2012, quando o deputado esteve empregado em secretarias de Nova Iguaçu e Teresópolis . Procurado pelo O Globo, Amorim nega irregularidades, e disse que as atividades não demandavam dedicação exclusiva.

Em 2019, Amorim ja havia causado polêmica por duas outras vezes: em janeiro, ao falar sobre o Antigo Museu do Índio, no Maracanã, sugeriu que quem gostasse de índios fosse à Bolívia, o que causou reação até o presidente Evo Morales.

Depois de ter recebido uma denúncia no final do ano passado dizendo que Rodrigo Amorim era funcionário fantasma, a Prefeitura de Mesquita solicitou a instauração de uma sindicância para apurar o fato. A reportagem do GLOBO obteve a informação dessa medida e detalhes da passagem de Amorim pelo município, em contato com funcionários da época. Um servidor afirmou que nunca viu Amorim no seu período de atuação em Mesquita. Na manhã desta sexta, o Blog do Berta havia publicado notícia sobre os cargos ocupados simultaneamente, e de contratos suspeitos da ONG Terceiro Setor, que fora presidido pelo deputado.

Parlamentar ocupou, ao mesmo tempo, cargo na Câmara Municipal do Rio; Três anos antes, ele já havia trabalhado simultaneamente para prefeituras de Teresópolis e Nova Iguaçu.

No dia 10 de abril de 2015, Rodrigo Amorim foi nomeado para o cargo em comissão de Subsecretário Adjunto de Governo e Planejamento de Mesquita, gestão do prefeito Gelsinho Guerreiro (na época do PSC) — denunciado pelo MPRJ por organização criminosa — função que ocupou até o dia 28 de março de 2016, quando foi exonerado. Seu salário base era de R$2.880. Para o trabalho de subsecretário, há carga horária obrigatória de 40 horas semanais, mas, a partir do dia 1º de novembro de 2015, Amorim também ocupou um cargo como auxiliar de gabinete do então vereador Jimmy Pereira, na Câmara Municipal do Rio, onde ficou até 1º de março de 2016. Um trajeto de carro entre a prefeitura de Mesquita e a Câmara carioca dura cerca de uma hora.

‘Só descobri quem era Rodrigo Amorim no resultado das eleições’

No mesmo dia da nomeação de Amorim em Mesquita, também constava no Diário Oficial o nome de Paulo Vitor Coutinho para um cargo semelhante na mesma Secretaria de Governo e Planejamento. Entretanto, Coutinho afirmou ao GLOBO que nunca viu a presença do deputado, seja em atividades nas ruas ou no prédio da prefeitura, em todo o seu período na pasta.

— Posso dizer que nunca tivemos a presença dele nas nossas atividades. Nunca o vi, nem no dia da nomeação, nem nas atividades da coordenadoria, ou circulando pelas ruas de Mesquita. Só descobri quem era Rodrigo Amorim no resultado das eleições — diz Coutinho, que tinha foco em atividades da juventude e de direitos humanos.

Segundo Coutinho, naquela pasta havia algumas pessoas do mesmo grau hierárquico, como ele e Amorim. E cada um cuidava de um tipo de atividade mais específica. Oficialmente, Coutinho exercia o cargo de Coordenador Municipal da Juventude. Ele foi exonerado no mesmo dia que Amorim, mas retornou à prefeitura em outra função.

— Teoricamente eu deveria encontrá-lo no prédio (a sala ficava na prefeitura) ou em alguma reunião administrativa. Independente de ser funções diferentes, nós nos reportávamos ao mesmo secretário. Impossível imaginar que durante um ano eu nunca o encontrei — explica Coutinho, hoje membro da gerência de mobilização social e integração governamental da prefeitura.

Pessoas que trabalham na Câmara Municipal do Rio, e que pediram para não se identificar, afirmaram que lembram de Amorim circulando pela casa em algumas ocasiões entre 2015 e 2016.

— Lembro dele por aqui nessa época, mas não sei precisar exatamente o que ele fazia — afirmou uma das pessoas.

Nomeação em Teresópolis e Nova Iguaçu

No dia 8 de agosto de 2011, ele foi nomeado assessor especial na Secretaria de Esportes e Lazer de Teresópolis, com salário de R$ 1.514, na gestão Arlei Rosa (PMDB), cassado por desvio de verba pública. Pouco antes, porém, ele fora nomeado assessor da Secretaria de Saúde de Nova Iguaçu (entre 3/8/2011 e 19/7/2012), e depois como assessor de governo da Secretaria municipal de Governo de Nova Iguaçu (entre 15/8/2012 e 2/10/2012), na gestão de Sheila Gama (PDT). A distância entre as duas cidades é de 100km, num trajeto de cerca de uma hora e 40 minutos de carro. Procurada, a prefeitura de Nova Iguaçu confirmou a passagem de Amorim pelo município, mas não deu outras informações pois o fato foi “na gestão passada”. A prefeitura de Teresópolis também confirmou as nomeações, mas não respondeu até o fechamento da matéria sobre se sabia de seu outro emprego.

Segundo Manoel Peixinho, professor da PUC e especialista em Direito Administrativo, o acúmulo de cargos públicos viola os princípios da eficiência administrativa e da lealdade às instituições. Pela prática, Amorim pode ter cometido ato de improbidade administrativa. Mesmo que ele consiga provar compatibilidade dos cargos, Peixinho explica que, na jurisprudência confirmada pelo STF, cargos em comissão devem ser ocupados para funções de chefia, direção ou assessoramento, o que exige dedicação no local de exercício.

Em sua biografia no site da Alerj, Amorim não cita seus trabalhos em Nova Iguaçu, em Teresópolis e na Câmara do Rio. Já no período que estaria em Mesquita, suas redes sociais mostram que, em muitas datas, ele estava em outras localidades distantes. Em postagens, há fotos em cidades diversas durante horário comercial, como Iguaba, Paraíba do Sul, Rio das Ostras, Duque de Caxias, São Paulo, Brasília, Queimados, Niterói, Teresópolis, a maioria em eventos políticos. Houve ainda uma viagem internacional registrada por ele no Facebook, para República Dominicana, no dia 29 de novembro de 2015, apenas sete meses após ter sido nomeado para o cargo de Mesquita.

Ao longo de 2015, Amorim também fez várias postagens — ao menos seis — em estúdios da Rádio Bandeirantes, onde ele fazia participações como comentarista do programa Política sem Rodeios. Um dos ouvintes do programa era Carlos Bolsonaro, e o vereador inclusive costumava compartilhar alguns dos programas nas suas redes sociais. Em 2016, Amorim, então filiado ao PRP foi candidato a vice na chapa encabeçada por Flavio Bolsonaro que concorreu à prefeitura do Rio. A dupla ficou em quarto lugar, com 424 mil votos.

Placa com o nome de Marielle rasgada

Já no PSL, ano passado Amorim conseguiu 140.666 votos para deputado estadual na última eleição e foi o parlamentar mais votado no Rio. Nos poucos meses de trabalho até aqui, o deputado acumula polêmicas. Durante a corrida eleitoral, ele, acompanhado dos hoje deputado federal Daniel Silveira (PSL) e governador Wilson Witzel (PSC), exibiu num evento em Petrópolis uma placa rasgada com o nome de Marielle Franco. Posteriormente, um fragmento da mesma placa foi emoldurado e colocado na parede do seu gabinete. Naquela semana, Amorim foi repreendido pelo presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), por ter feito um gesto imitando uma arma para o público da galeria, que contava com opositores. O deputado costuma fazer o gesto, popularizado por Bolsonaro, quando a deputada Renata Souza (PSOL), ex-chefe de gabinete de Marielle, discursa.

Amorim vem se empenhando na expansão do programa Segurança Presente, e agora foca no seu lançamento em Botafogo. Ele está cotado para ser candidato a prefeito em 2020. Seu partido, PSL, tem o plano de conseguir o maior número de prefeituras nas próximas eleições, e Amorim vem sendo apontado como um dos articuladores entre municípios da Baixada e interior. Ele voltou a se aproximar de Mesquita, por exemplo, onde o candidato deve ser Leonardo Rodrigues, secretário estadual de Ciência e Tecnologia.

Acúmulo ilegal

Para o professor Manoel Peixinho, Rodrigo Amorim pode ter violado três artigos da Lei de Improbidade Administrativa: 9º (enriquecimento ilícito); 10º (lesão ao erário); 11º (dever de honestidade e lealdade às instituições). O especialista explica que há critérios estabelecidos para utilização de cargos em comissão, sendo ocupados apenas para funções de chefia, direção e assessoramento. Em setembro passado, o STF confirmou essa jurisprudência em julgamento de repercussão geral.

— Obviamente que esses cargos exigem dedicação do agente público no local de exercício — diz Peixinho, que enxerga gravidade ainda maior no caso de Amorim por terem sido cargos no Executivo. — No Legislativo, ainda há flexibilidade maior, em certos casos, para carga horária. No Executivo, é muito difícil. A justiça determina que haja compatibilidade de horário no exercício de dois cargos. Caso ele não consiga comprovar o exercício das duas funções, terá que devolver os recursos recebidos. Porque aí já seria enriquecimento ilícito.

Segundo Peixinho, Amorim precisaria ter, primeiramente, informado aos municípios sobre os cargos acumulados. A mera omissão já seria uma violação. Depois, mesmo que o deputado conseguisse comprovar compatibilidade, e ocupar os dois cargos, Peixinho acredita que houve violação ao princípio de eficiência administrativa.

— O acúmulo de cargos traz prejuízo à eficiência administrativa, e existe jurisprudência, reafirmada pelo STF, de que esse princípio não pode ser violado. Mas mesmo assim eu duvido muito ele comprovar compatibilidade dos cargos, porque são municípios distantes. Geralmente é uma jogada que pessoas fazem para acumular recursos. Além disso, pode responder criminalmente se o MP entender assim. Não só ele, como a autoridade nomeante, se esta estiver envolvido no ato ilícito — conclui Peixinho — E ele ainda gosta de falar sobre a defesa da moralidade.

Lei de Acesso à Informação desrespeitado

No dia 28 de março, munido de informações sobre o trabalho na Câmara dos Vereadores, a reportagem do GLOBO requereu, via Lei de Acesso à Informação, detalhes sobre o cargo que Rodrigo Amorim ocupara no gabinete do vereador Jimmy Pereira, como remuneração e carga horária. Pela lei, o prazo inicial para resposta é de 30 dias. Mas, após esse período, a Câmara respondeu que ainda não havia detalhes para fornecer. Questionada sobre a obrigatoriedade de fornecer um novo prazo, a Câmara respondeu “Infelizmente não temos nova data para informar”.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, o requerimento teria sido propositalmente travado pela Presidência da casa. Procurado, o presidente da Câmara Jorge Felippe negou o fato, afirmou “que não trava nenhum requerimento solicitado à Câmara Municipal e verificará o caso relatado”. Já Jimmy Pereira, que não é mais vereador, não retornou às ligações.

Respostas de Rodrigo Amorim

Procurado, o deputado Rodrigo Amorim respondeu, em nota que “assessor especial é um cargo que tem a função de elaborar pareceres, fazer análises de cenários, acompanhar projetos e gerir relações com diversos públicos.” Sobre Mesquita, afirmou que seu cargo previa “dispensa de controle de frequência por prerrogativa de função conforme lei municipal”, e que a investigação anunciada pela prefeitura “seguramente não resultará em absolutamente nenhuma sanção, sendo nitidamente uma perseguição política do atual prefeito”.

Para justificar as viagens e deslocamentos em horário comercial, explicou que “municípios têm parcerias com outros municípios”, e que deslocamentos são comuns para conhecer experiências de outras gestões. A viagem para República Dominicana foi, segundo o deputado, para “assuntos do Conselho Americano de Fundações para Desenvolvimento”, com sede no país, em que foi palestrante. Ele também responde que no seu perfil da Alerj só optou por mencionar cargos políticos e não os “de mera assessoria técnica”.

No final, Amorim diz que nunca respondeu a inquérito criminal ou processo administrativo e que “ocupou cargos públicos de caráter exclusivamente técnico e em entes federativos distintos. Todas as funções sem dedicação exclusiva”.

Por Lucas Altino (O Globo)

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