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Ataque ao judiciário: um alerta necessário

Até quem um dia foi juiz, não respeitou a juíza

Por Abdon Marinho – Com a publicação dos dois últimos textos versando sobre a sentença de primeiro grau de declarou a inelegibilidade do atual governador e mais três pessoas e as suas consequências no mundo jurídico, pensei haver esgotado minha participação no assunto.

Ledo engano, como cidadão, como advogado, como defensor do Estado Democrático de Direito e da democracia como uma conquista da civilização, não tenho o direito de ficar calado diante do que tenho assistido com relação a este episódio.

Morando e participando da vida política nesta Ilha de São Luís há mais de trinta anos, não me recordo – nem mesmo durante os estertores da ditadura –, de assistir a uma “caçada” tão inclemente e desrespeitosa quanto à que vem sofrendo a juíza eleitoral da zona de Coroatá. 

Desde que proferiu a decisão que cassou o mandato do prefeito e vice-prefeito daquele município e declarou a inelegibilidade do governador e de um ex-secretário e atual candidato a deputado federal, uma rede de blogues aliados politicamente ao grupo que se encontra no poder e outros que até recebem ou recebiam por anúncios e/ou assessorias no governo, têm se ocupado de vasculhar, denegrir, fazer ilações e insinuações sobre a magistrada e – pasmem –, sobre seus familiares.

Li, que fizeram, inclusive, uma busca nos arquivos do Tribunal de Justiça para investigar as condições de ingresso da mesma na magistratura maranhense. 

Um outro com insinuações sobre seu marido.

Tanto acusam Sarney de maquinações diversas, entretanto, o que assistimos é um espetáculo de horrores promovidos por aqueles que vieram em nome “novo” justamente prometendo que tais tais coisas não mais ocorreriam.

Vejo deputados, secretários, aliados, os mais diversos, além dos contumazes aduladores de plantão atentarem contra a honra e a dignidade de uma cidadã. Sim, antes de juíza, atentam, descaradamente, contra uma cidadã. 

Isso é o “novo”? Essa é a democracia e a liberdade prometidas? 

É de se imaginar: se nem uma juíza de direito, que tem atrás de si todo um aparado institucional sofre, por seu ofício, tantos ataques, o que não serão capazes de fazer com o cidadão comum? Como pessoas como eu ou você que não somos “ninguém”?

O comportamento do governador e seus aliados no episódio ultrapassa o limite aceitável em qualquer democracia.

Nas democracias quando uma decisão é proferida, e alguém dela discorda, busca-se o caminho dos recursos próprios para revertê-la e não o linchamento moral de quem a proferiu. Colocar a família como alvo de ataques rasteiros é algo só foi ou é aceitável nas ditaduras mais atrasadas no mundo, como por exemplo na Coreia do Norte onde as punições “passam” da pessoa para alcançar seus familiares; ou como foi no regime stalinista da antiga União Soviética. 

Um comportamento tão incompatível com os ditames das democracias modernas, leva-nos  à conclusão que lhes faltam razão para desconstituição da decisão com argumentos jurídicos.

Quero acreditar que estas iniciativas não são orientadas a partir do palácio ou com a estrutura de estado, o que, decerto, caracteriza crime a merecer a investigação da Polícia Federal e a pronta reprimenda dos órgãos judiciais.

Quer dizer, então que agora um juiz, um desembargador, um ministro não pode mais proferir uma sentença, um despacho, que contrarie a vontade do governante sem ser linchado em praça pública? Sem ter expostos seus familiares aos achincalhes? Esse é o novo modelo de democracia do país?

Caso se confirme a ingerência institucional do governo estadual – ainda que indireta, através de veículos que recebem recursos públicos –, nessa tenebrosa tentativa de linchamento contra a magistrada, forçoso reconhecer que razão assiste ao ex-presidente Sarney ao reclamar, em artigo recente,  de práticas “stalinistas” do atual governo. 

E, pior, um stalinismo tosco, canhestro, perdido no espaço e no tempo, mas, ainda assim, capaz de muito mal causar à nossa jovem democracia.

Vejam, uma juíza apesar de suas relevantes funções é uma cidadã detentora de direitos, dentre os quais a vida privada. Não é aceitável – não numa democracia –, que seja achincalhada e exposta como vem sendo a magistrada que proferiu uma sentença que contrariou os atuais donos do poder. E, mais, que este tipo de violência se estenda à honra de seus familiares, que nada têm com sua função judicante.

Como dito anteriormente, você pode discordar de uma decisão – é um direito da defesa que isso ocorra -, o que não se pode é abrir-se uma “caça às bruxas” com investigações subterrâneas sobre a vida das pessoas com o intuito de, com argumentos laterais,  promover a desconstituição de uma sentença.

O caminho não é esse. As leis ensinam como se faz. Pode se buscar esclarecer a decisão, pode  se recorrer à segunda instância e, até mesmo, a uma instância superior. 

O mais grave que este episódio revela é que os atuais governantes –  e seus aliados –, perderam a medida do que podem ou não fazer. Como se fins justificassem os meios – quaisquer meios. 

É isso que as autoridades competentes deverão investigar. 

O TRE – a quem a juíza está subordinada por conta da judicatura eleitoral –, deverá, se ainda não o fez,  solicitar uma investigação à Polícia Federal para saber de onde partem os ataques à magistrada, se há uso do aparelho e de recursos estatais para o que veem fazendo. 

O mesmo comportamento deve ter o TJMA, buscando a preservação da integridade da magistratura estadual.

Veja que aqui não se fala em censura à imprensa, longe disso, o que clama apuração rigorosa é saber se há ingerência institucional nos ataques à magistrada e/ou familiares; se pessoas remuneradas, ainda que indiretamente pelo poder público, estão fazendo esse tipo de serviço sujo.

Em sendo verdade essa interferência do governo, estaremos diante de uma situação de gravidade impar: uma instituição de Estado, no caso o Poder Executivo, trabalhando para o desmerecimento de outra instituição, no caso o Poder Judiciário. 

Outra coisa que chama a atenção é que os demandados na ação em tela, copiando a estratégia do ex-presidente Lula, ao invés de discutir a matéria nos autos do processo, quer discuti-la nas redes sociais, jornais e blogues, avançando pela achincalhe e a “desconstrução” da juíza prolatora da decisão. 

A diferença entre o que fazem o ex-presidente e seus aliados é que aqueles utilizam suas estratégias de confronto com as instituições (Policia Federal, Ministério Público e Judiciário) na esfera privada, não se tratam (mais) de autoridades constituídas que têm o dever de zelar pelas leis e pelas instituições. 

Aqui não, são agentes públicos, governador, secretários, deputados, que “vestidos” como autoridades trabalham para desmerecer uma juíza e seus familiares. E não é só, utilizam-se de seus aliados – e ou subordinados, não se sabe, a PF precisa apurar isso com rigor –, na mídia para atacar, achincalhar e enxovalhar a honra das pessoas que os contrariam. 

Quando autoridades não compreendem o seu papel institucional faz-se necessário chamar a atenção para os riscos que corre a democracia. Autoridades não podem se comportar como “valentões” ou afrontar pessoas e instituições com o poder que detém em nome do povo. 

O poder pertence ao povo e foi conferido para o livre exercício na busca do bem comum e não dos próprios interesses.

Abdon Marinho é advogado.

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