Áudios de conversa entre Bebianno e Bolsonaro vazaram
Gustavo Bebianno diz em áudio que presidente está 'envenenado'
BRASÍLIA — Um dia depois da demissão do ex-ministro Gustavo Bebianno, a revista “Veja” publicou nesta terça-feira 12 áudios trocados entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Gustavo Bebianno, que revelam a escalada da crise entre os dois na última semana. Em uma das conversas, Bebianno diz a Bolsonaro que ele estava “envenenado”, numa referência às críticas públicas de seu filho Carlos.
O desgaste iniciado pelas suspeitas de candidaturas laranjas no PSL virou confronto aberto no governo depois que Carlos acusou Bebianno de mentir ao dizer que havia conversado com o presidente na última quarta-feira. A acusação foi validada por Bolsonaro, e agora desmentida pelos áudios.
Naquele dia, Bebianno havia dito ao GLOBO que trocou mensagens pelo aplicativo WhatsApp com o presidente , o que agora ficou comprovado pela divulgação das mensagens.
Além de reclamar que Bolsonaro está “envenenado”, Bebianno acusa o atual presidente do PSL, Luciano Bivar, de ser o responsável pelas candidaturas laranjas do partido em Pernambuco.
Ao fazer a referência às denúncias de candidatos laranjas no PSL, Bolsonaro reclama com Bebianno que “querer empurrar essa batata quente desse dinheiro pro meu colo não vai dar certo”. Diz ao ministro que considera isso uma “desonestidade e falta de caráter”. E faz o alerta de que “a Polícia Federal vai entrar no circuito”, e que “quem deve paga, tá certo?”. Bebianno respondeu atribuindo a responsabilidade a Bivar.
Veja a transcrição completa dos 12 áudios trocados entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Gustavo Bebianno:
Relação com imprensa
Em mensagem de áudio por WhatsApp, Bolsonaro reclama com Bebianno sobre a relação do governo com a imprensa. Ele critica o ministro por ter marcado uma audiência no Palácio do Planalto com o vice-presidente de Relações Institucionais da Rede Globo.
Bolsonaro – “ Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se aproximando da Globo. Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou – antes, durante, agora e após a campanha – para dentro de casa. Me desculpa. Como presidente da República: cancela, não quero esse cara aí dentro, ponto final. Um abraço aí. ”
Em nota, o Grupo Globo informa que “considera que não tem nem cultiva inimigos”, ressalta que a visita constava na agenda pública do ex-ministro e que “mantém relações estritamente institucionais e republicanas”.
Viagem ao Pará
Em um segundo áudio enviado ao ex-ministro, Bolsonaro determina que ele cancele a viagem ao Pará, que seria feita com os ministros Damares Alves e Ricardo Salles.
“Salles está chateado”
Em nova mensagem sobre a viagem, Bolsonaro explica que a viagem tem de ser cancelada para que a ida dos ministros não crie a impressão de que o governo fará obras na Amazônia em breve. “Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Isso pode ser feito quando nós acharmos que vai ter recurso”, diz o presidente.
Falou ou não falou?
Bolsonaro diz que os dois não se falaram na quarta-feira, e culpa a imprensa por notícias de que Carlos estaria “incitando” a demissão de Bebianno.
Bolsonaro – “O caso incitando a saída é mais uma mentira. Você conhece muito bem a imprensa, melhor do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem. Ele esteve comigo 24 horas por dia. Então não está mentindo, nada, nem está perseguindo ninguém.”
O que é “falar”?
Em resposta, Bebianno diz que trocar mensagens de áudio também é falar. “Há várias formas de se falar”, diz o ex-ministro.
“Eu não sou mentiroso”
Em nova mensagem, Bebianno mostra sua mágoa com Carlos Bolsonaro. Ao presidente, diz: “Imagine se eu chamasse alguém de mentiroso em público. Eu não sou mentiroso. Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim”.
Bebianno – “ Capitão, eu só prego a paz, o tempo inteiro. O tempo inteiro eu peço para a gente parar de bater nas pessoas. O tempo inteiro eu tento estabelecer uma boa relação com todo mundo. Minha relação é maravilhosa com todos os generais. O senhor se lembra que, no início, eu não podia participar daquelas reuniões de quartas-feiras, porque os generais teriam restrições contra mim? Eu não entendia que restrições eram aquelas, se eles nem me conheciam. O senhor hoje pergunte para eles qual o conceito que eles têm a meu respeito, sabe, capitão? Eu sou uma pessoa limpa, correta. Infelizmente não sou eu que faço esse rebuliço, que crio essa crise. Eu não falo nada em público. Muito menos agrido ninguém em público, sabe, capitão? Então quando eu recebo esse tipo de coisa, depois de um post desse, é realmente muito desagradável. Inverta, capitão. Imagine se eu chamasse alguém de mentiroso em público. Eu não sou mentiroso. Ontem eu falei com o senhor três vezes, sim. Falamos pelo WhatsApp. O que é que tem demais? Não falamos nada demais. A relevância disso… Tanto assunto grave para a gente tratar. Tantos problemas. Eu tento proteger o senhor o tempo inteiro. Por esse tipo de ataque? Por que esse ódio? O que é que eu fiz de errado, meu Deus? ”
“Não vou mais responder a você”
Bolsonaro acusa o então ministro de ter plantado na imprensa uma notícia com a intenção de forçar o presidente a atendê-lo.
Bolsonaro – “ Ô, Gustavo, usar da… Que usou do Whatsapp para falar três vezes comigo, aí é demais da tua parte, aí é demais, e eu não vou mais responder a você. Outra coisa, eu sei que você manda lá no Antagonista, a nota (sobre Bolsonaro não atender Bebianno) foi pregada lá. Dias antes, você pregou uma nota que tentou falar comigo e não conseguiu no domingo. Eu sabia qual era a intenção, era exatamente dizer que conversou comigo e que está tudo muito bem, então faz o favor, ou você restabelece a verdade ou não tem conversa a partir daqui pra frente. ”
“O dinheiro lá para candidata de Pernambuco”
Na referência direta às denúncias sobre candidatos laranjas, Bolsonaro dá a entender que acha que Bebianno tentou envolvê-lo no caso. Ele diz que é “falta de caráter” jogar “essa batata quente no meu colo” e diz que a Polícia Federal irá atuar no caso.
” Querer empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter. Agora, todas as notas pregadas nesse sentido foram nesse sentido exatamente, então a Polícia Federal vai entrar no circuito, já entrou no circuito, pra apurar a verdade. Tudo bem, vamos ver daí… Quem deve paga, tá certo? Eu sei que você é dessa linha minha aí. Um abraço. ”
“Eu não plantei nada”
O ex-ministro responde primeiro à reclamação do presidente sobre notícias repassadas à imprensa. E nega ter sido a fonte da informação sobre uma ligação sua para o presidente.
Bebianno – “ Capitão, a nota do Antagonista que o senhor tá me acusando de ter plantado… Se o senhor olhar bem, eu localizei aqui e mandei pro senhor. Eu não plantei nada. Ela replica o que a Folha falou. Está escrito aqui: “segundo a Folha, segundo a Folha, o ministro Gustavo Bebianno tentou ligar para Jair Bolsonaro neste domingo para explicar o caso, mas o presidente não atendeu”. Quem mencionou isso não foi o Antagonista, foi a Folha. O Antagonista simplesmente replicou. Então, capitão, eu não plantei nada em lugar nenhum, tá? Abraço.”
“Se não fui eu, só pode ser você”
Bolsonaro não engole a negativa de Bebianno. Diz que, numa conversa entre os dois, se ele não foi o autor do vazamento, só pode ter sido o ministro.
“Deixei o senhor em paz”
O ex-ministro reafirma que não era a fonte das notícias sobre a tentativa de ligação para o presidente.
Bebianno – “ Não, capitão, não é isso, não. Eu não tentei ligar pro senhor, eu não falei, não vazei nada pra ninguém. Eu nem tentei ligar pro senhor. O senhor mandou um recado que era pra eu não ir ao hospital. Não fui e não liguei pro senhor nenhuma vez. Deixei o senhor em paz. É… Se eu tentei ligar uma ou duas vezes, também não me lembro pelo motivo que foi, é… Não é isso, não, capitão, tá? Eu não vazei nada pra lugar nenhum, muito menos pra Folha, com quem eu praticamente não falo. Abraço, capitão. ”
“O senhor está envenenado”
Neste áudio, Bebianno explica o papel dele como presidente nacional do PSL na distribuição de verbas para os candidatos de Pernambuco. O ex-ministro diz que é inocente e que o presidente está “bem envenenado”, referindo-se a Carlos Bolsonaro:
Bebianno – “ Em relação a isso, capitão, também acho que a coisa está… Não está clara. A minha tarefa como presidente interino nacional foi cuidar da sua campanha. A prestação de contas que me competia foi aprovada com louvor, é… Agora, cada Estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável pelas chapas estaduais. O senhor sabe disso melhor do que eu. E, no nosso caso, quando eu assumi o PSL, houve uma grande dificuldade na escolha dos presidentes de cada Estado, porque nós não sabíamos quem era quem. É… Cada chapa foi montada pela sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar, logicamente. Se o Bivar escolheu candidata laranja, é um problema dele, político. E é um problema legal dela explicar o que ela fez com o dinheiro. Da minha parte, eu só repassei o dinheiro que me foi solicitado por escrito. Eu tenho tudo registrado por escrito. Então é ótimo que a Polícia Federal esteja, é ótimo que investigue, é ótimo que apure, é ótimo que puna os responsáveis. Eu não tenho nada a ver com isso. É… Depois a gente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem envenenado. Mas tudo bem, a minha consciência está tranquila, o meu papel foi limpo, continua sendo. E tomara que a polícia chegue mesmo à constatação do que foi feito, mas eu não tenho nada a ver com isso. O Luciano Bivar que é responsável lá pela chapa dele. Abraço, capitão. ”
Por Francisco Leali (O Globo)