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Conheça Luiza Helena Trajano, a poderosa dona do Magazine Luiza

Em rara entrevista ao O Globo, ela fala sobre os bastidores e principais propósitos do Unidos Pela Vacina e do Mulheres do Brasil

Havia dezenas de presidentes de empresas na reunião virtual. Era dia 1º de fevereiro e o Brasil começava a aplicar as primeiras doses da vacina contra o novo coronavírus. O horizonte, no entanto, permanecia nebuloso: a velocidade com que o país seria vacinado era (e, infelizmente, ainda é) imprevisível. Enquanto os empresários lamentavam demissões, caixas negativos e lojas fechadas, Luiza Helena Trajano, com a simplicidade que lhe é habitual, tomou a palavra. “A única solução para a economia é a vacinação. Temos que trabalhar muito forte para isso”, disse.

Luiza Trajano‘Mulheres se destacam no enfrentamento ao novo coronavírus’

O convite aos líderes de 73 empresas do Instituto de Desenvolvimento do Varejo (que reúne gigantes como Avon, Boticário, Renner e seu Magalu) estava feito — e foi prontamente aceito. O mesmo aconteceu no grupo Mulheres do Brasil, que reúne 75 mil mulheres sob a batuta de Luiza. Com a aliança selada, ela decidiu entrar em contato com o governo federal. O passo seguinte foi marcar uma reunião com o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, e presidentes de grandes empresas brasileiras, como Paulo Kakinoff, da Gol, e Walter Schalka, da Suzano. “Nossa ideia era somar. Fomos oferecer ajuda”, ressalta a empresária à ELA, em uma conversa por chamada de vídeo, no fim de fevereiro. Nascia assim o Unidos Pela Vacina, movimento que se propõe a ajudar a vacinar o Brasil todo até setembro.

Um mês depois do primeiro encontro, o Unidos Pela Vacina já contava com os aviões para o transporte das vacinas, frigoríficos para armazená-las, caminhões refrigerados e laboratórios farmacêuticos interessados em produzi-las. “Uma indústria que tem cem fábricas no país ofereceu seus funcionários da saúde e os pátios para vacinar”, conta Sonia Hess, amiga de Luiza Helena, vice-presidente do Mulheres do Brasil e uma das envolvidas no movimento, que inclui também apoio aos governos estaduais e a prefeituras. “O prefeito de Serrana (município onde o governo paulista tem o projeto piloto de imunizar toda a população) me ligou pedindo ar-condicionado para vacinar as pessoas nas escolas”, relata Luiza. Três dias depois, 12 aparelhos foram enviados para a cidade. Também há esforços dirigidos à falta de doses. “No fim de fevereiro, uma equipe especializada em comércio internacional foi a Brasília para dar consultoria às autoridades responsáveis”, diz Marcelo Silva, presidente do Instituto de Desenvolvimento do Varejo, que faz o contato com o governo federal. Além disso, o grupo está mapeando a estrutura dos 5.568 municípios brasileiros. “Cada prefeito está respondendo se tem a geladeira necessária, as seringas”, conta Luiza Helena. “Teremos o mapeamento completo.”

“Todo mundo atende quando Luiza Helena faz um chamado”, diz a consultora Betânia Tanure, uma das lideranças do Unidos Pela Vacina, também vice-presidente do Mulheres do Brasil. “A intensidade é seu maior atributo, seja nas relações pessoais, profissionais ou cidadãs. Ela mergulha profundamente em tudo o que faz”, completa. Foi com essa mesma intensidade que a empresária decidiu trazer para o Magalu, a empresa da família, da qual é a maior acionista e presidente do conselho, o ativismo das reuniões do Mulheres do Brasil, grupo fundado por ela em 2013 para trabalhar questões sociais. Começou pelo que considera uma das maiores chagas brasileiras: a violência contra mulher, quando a gerente de uma loja de Campinas, Denise Neves dos Anjos, foi degolada pelo marido. “Fiquei muito mal”, afirma a empresária. Para evitar novas tragédias, criou uma linha de denúncias anônimas para que funcionárias pudessem buscar ajuda. Também lançou a campanha “Eu meto a colher sim”, que destinou recursos a entidades que prestam apoio a vítimas de violência doméstica; determinou uma cota de contratações a essas mulheres e, na pandemia, criou um botão de ajuda para vítimas de violência doméstica em seu aplicativo, acessível a qualquer usuária.

O racismo estrutural é outra mazela que Luiza Helena decidiu atacar também por meio do Magalu. “Chegava na diretora de RH e perguntava: ‘Por que não tem negros na liderança?’ Ela dizia que não achava. Até que chegou no Frederico (filho de Luiza e CEO da empresa) e disse: ‘A gente tem que fazer alguma coisa porque pelas vias tradicionais não está dando resultado’. Daí nasceu o programa de trainee”, conta a fundadora, sobre o projeto que contratou 19 trainees negros (habitualmente são 10 vagas abertas por ano) no fim de 2020. O programa gerou polêmica e reacendeu o debate sobre o “racismo reverso”, uma forma de negacionismo à desigualdade racial que impera no Brasil. Sobre a onda de críticas, Luiza Helena as divide em dois tipos: as violentas e as ignorantes.

Com as primeiras, preferiu não gastar seu tempo. Sobre as segundas, explica: “É uma questão de educação. Uma amiga veio me perguntar o que era racismo estrutural. Respondi: ‘Se a gente for num shopping bem bonito aqui de São Paulo e entrar uma mulher negra numa loja você vai achar que ela é a diretora-geral ou a chefe da segurança?’ É um processo muito forte. À medida que fui aprendendo, entendi que eu não era tão antirracista quando pensava”, diz. “Agora estou de olho nas pessoas com mais de 50 anos que querem voltar para o mercado de trabalho”, conta, sobre a próxima ação de inclusão que pretende trabalhar no Magalu.

“Tenho consciência da minha força. Minha rejeição é muito pequena e a maioria das pessoas me conhece há muitos anos, sabe que não estou aqui para fazer campanha. Não preciso disso”

A postura progressista nas causas sociais aliada à reputação em meio ao empresariado faz com que, de tempos em tempos, seu nome seja aventado para cargos públicos, chegando inclusive a especulações sobre ela ser candidata a presidente do Brasil. No dia em que conversou com ELA, circulava nos jornais a notícia de que lideranças petistas cogitavam tê-la como vice de Fernando Haddad nas eleições de 2022. Luiza nega com veemência que será candidata a qualquer cargo: “Já falei, é a última vez que eu nego esse tipo de boato. Cada dia é uma notícia diferente, um partido. É complicado”, diz. “Tenho consciência da minha força. As pessoas estão carentes de uma liderança que resolva. Minha rejeição é muito pequena e a maioria das pessoas me conhece há muitos anos, sabe que não estou aqui para fazer campanha. Não preciso disso. E tem mais: só faço o que faço porque não estou sozinha, tem o grupo Mulheres do Brasil comigo, muita gente por trás. Nunca quis ser perfeita, nunca quis ser mito”, afirma Luiza Helena.

O Magazine Luiza nasceu em 1957, quando Luiza Trajano Donato, e seu marido, Pelegrino Donato, compraram A Cristaleira, uma loja de utensílios domésticos em Franca, no interior de São Paulo. Em suas palestras, Luiza Helena, sobrinha da fundadora, costuma dizer que, há mais de 60 anos, a empresa nasceu com “propósito”, muito antes de a palavra cair no gosto e no discurso dos empresários. A intenção da tia com o negócio era gerar emprego para os parentes. Outro feito do qual se orgulha é o fato de o grupo ser um dos recordistas da lista das melhores empresas para trabalhar, realizada pela consultoria Great Place to Work e publicada pela revista Época. “Foi um trabalho de formiga. A gente sempre olhou o social. Prova disso é que tivemos coragem de assumir que precisávamos tratar da violência contra a mulher, da falta de diversidade dentro da empresa.” Sobre os perfis de liderança e gestão que valoriza, também costuma ser enfática. “Pode ser o melhor gerente da empresa, da loja que mais vende, se for assediador, não fica. E hoje não é uma questão só de princípio da Luiza Helena, porque sou mulher, porque vim do interior. O mercado pune esse tipo de conduta.”

Luiza Trajano Foto: Cassia Tabatini

Luiza Helena também nasceu em Franca, onde é conhecida como Luizinha, e começou a trabalhar no Magazine aos 12 anos. Filha única, ia para a loja depois da escola porque queria ganhar seu próprio dinheiro. Fez faculdade de Direito e de Administração. Foi nessa época que conheceu Erasmo Fernandes Rodrigues, com quem namorou durante oito anos até se casar, em 1974. “Fui criada muito fora da caixa. No dia da cerimônia, minha mãe me chamou e disse: ‘Se não quiser, não precisa casar’. Ela nunca fez meu enxoval, algo que era regra para as meninas da época. Na minha família, a força feminina nunca foi inutilizada”, afirma. Com Erasmo teve Frederico, que hoje comanda o Magalu, a chef de cozinha Ana Luiza, que mora em Paris, e a publicitária Luciana, que vive em Lisboa. Erasmo era dono de um posto de gasolina e nunca trabalhou na empresa da mulher, respeitando a regra de que nenhum agregado podia se empregar lá.

Ele morreu aos 63 anos, em 2009, subitamente, no feriado de Finados. Estava no rancho da família, em Minas Gerais, quando teve um aneurisma fatal no abdômen. A família estava na piscina, Erasmo saiu para pegar algo dentro de casa e não voltou mais. O filho Frederico já o encontrou sem vida. “Foi uma coisa muito triste, ainda hoje a gente lamenta”, diz Marcelo Silva, com quem Erasmo assistia aos jogos de basquete, sua paixão, nos fins de semana. “Foi a primeira vez na vida que vi minha mãe ficar sem ação”, conta a Ana Luiza. “Não fosse meu primo, o enterro não teria saído. Minha mãe é irritantemente otimista e mostra sua fragilidade para poucos, mas nos dois anos que se seguiram à morte do meu pai, eu e meus irmãos ficamos muito preocupados. Ela se jogou no trabalho”, completa a filha.

Hoje, Luiza Helena consegue tratar do assunto com humor. “Brinco com as minhas amigas que quando você perde o marido, como eu, nem xingar você pode”, conta. “Não dá nem para dizer que marido não serve para nada: é a única pessoa com quem se divide a responsabilidade sobre os filhos. Graças a Deus, os meus já eram grandes, mas você fica sozinha na alegria e na tristeza.”

Outra perda precoce que marcou a vida de Luiza foi a de sua mãe, Jacira Trajano, quando a empresária tinha pouco mais de 30 anos. Dona Jacira tinha ido para São Paulo tratar uma crise de asma e foi internada. Ficou alguns dias na cidade, antes de voltar para Franca, para uma consulta pós-alta. Morreu subitamente, dentro do elevador. “Luizinha viajou a trabalho para São José do Rio Preto e, quando chegou lá, dona Luiza, tia dela, deu a notícia”, conta a amiga de adolescência, a psicóloga Janisse Mohalem Lima. “Ela sofreu demais. Mas nem assim a vi reclamar. O que ela sempre diz é que tem saudades, que foi muito cedo, que poderia ter aproveitado mais.” A partir desse momento, a tia Luiza, de quem a empresária já era muito próxima, passou a exercer com mais força o papel de mãe. “Esse ambiente familiar e o fato de ser filha única, que por não ter irmãos construiu redes, contribuíram muito para a liderança da Luiza Helena”, afirma Betânia Tanure, uma das maiores estudiosas de liderança do Brasil.

Outro divisor de águas foi o nascimento de Frederico. “Com filho a gente passa a lidar com a própria impotência”, afirma Luiza Helena. “Você nunca mais aponta o dedo para uma mãe e diz que o menino é birrento porque pode pagar a língua depois”, conclui a empresária, que voltou ao trabalho poucos dias depois do nascimento do primogênito. “Ela ia para loja e amamentava em casa”, lembra Janisse. Ana Luiza diz que a mãe sempre foi brava. “Nunca ficamos de recuperação, ela nem precisou ficar em cima. Criou a gente para ser independente, tanto que todos nós saímos de Franca aos 14 anos para fazer colegial em Ribeirão Preto.”

A liberdade, verdade seja dita, não era irrestrita. “Quando os meninos estavam na adolescência, Luizinha tinha o medo que acontecesse algo com eles. Então começou a fazer festas de réveillon no rancho para ficarem por perto. Contratava um segurança para não deixar os garotos pularem no lago nem entrarem na mata. Esse segurança tinha uma lanterninha, que apontava nos meninos que estavam dando uns amassos”, lembra Janisse, aos risos, sobre os eventos que reuniam até 300 pessoas. “Como ela não bebe, também não gostava muito que bebessem.” No mesmo rancho e na fazenda da família, Luiza gosta de praticar esportes náuticos. “Ela adora andar de lancha, jetski, nadar no rio”, conta Ana Luiza.

A casa cheia é mesmo um grande prazer. “Conheci a Luiza porque frequentávamos os mesmos eventos”, diz a empresária Chieko Aoki, dona da rede de hotéis Blue Tree. “Como somos viúvas, às vezes ela me convida para dormir na casa dela depois desses eventos. Gosto de tomar água quente antes de deitar e, quando chegamos muito tarde, ela mesma ferve a água e coloca na garrafa térmica. A gente conversa no quarto dela, fala sobre as notícias e as nossas coisas, os tratamentos de beleza, mas não até muito tarde, porque somos muito ocupadas.” A dedicação é uma característica descrita por todas as amigas da empresária. “Quando meu marido morreu, ela fez uma missa lindíssima em São Paulo em sua homenagem.” Chieko lembra que é tradição entre japoneses e seus descendentes que se dê uma quantia de dinheiro em um envelope aos familiares do falecido nos velórios. “Falei para a Luiza que não queria aceitar e ela quem ficou dizendo isso para as pessoas.”

O dia de Luiza Helena começa cedo. “A gente costuma se falar às seis da manhã”, diz Betânia Tanure, sobre as reuniões do Mulheres do Brasil e dos Unidos Pela Vacina. No começo da pandemia, ficou isolada na sua casa, em Franca. Em oito meses, fez pouco mais de 400 lives. Também é nesse horário que faz ginástica com um personal trainer duas vezes por semana. “Fiz 13 anos de ginástica direto, depois fiquei 13 anos de sabático. Amei meu sabático da ginástica. Em setembro, voltei a treinar, duas vezes por semana. Mas minha saúde é de ferro”, diz. “Tomo remédio para tireoide e por isso meu coração é acelerado, o que me fez tomar remédio para isso também. Recentemente, fiz um holter. Quando saiu o resultado, o médico tirou o remédio do coração”, conta, aos risos. O motivo da boa saúde? “Faço muito o que gosto. Deve ser por isso que minha saúde é tão boa.” Sorte a do Brasil que essa paixão deve trazer saúde não só para ela, mas para a população.

Por Maria Laura Neves (O Globo)

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