DEM e MDB deixam bloco liderado por Arthur Lira na Câmara
Partidos vêm adotando postura mais independente em relação ao governo Jair Bolsonaro
BRASÍLIA/DF — O DEM e o MDB devem deixar em breve o bloco de partidos liderados por Arthur Lira (AL), líder do PP, na Câmara dos Deputados. O grupo irá encolher de 221 para 158 deputados federais com a movimentação. Lira vem atuando como líder informal do governo no Congresso nos últimos meses.
O bloco nunca teve uma atuação política conjunta. Na semana passada, porém, Arthur Lira usou o grupo de partidos para pedir o adiamento da votação do Fundeb (fundo de educação básica), posição naquele momento defendida pelo governo. Foi criticado por outros líderes do bloco por isso, já que nem todos eram a favor do adiamento.
Com a saída do MDB e do DEM, seguem no bloco PL, PP, PSD, Solidariedade, PTB, Pros e Avante. Isso significa que, segundo o regimento, esses partidos dependem da autorização de Lira para atuarem em uma série de instrumentos nas votações da Câmara dos Deputados.
Como mostrou o GLOBO, os partidos de centro no Congresso se dividiram na Câmara dos Deputados após PP, PL, PSD e Republicanos se aproximarem do governo de Jair Bolsonaro. Partidos como DEM, MDB, PSDB, Podemos e Cidadania estão mais próximos de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, do que do grupo de Arthur Lira.
— Neste momento, foi questão regimental mesmo. Posicionamento de bancada quanto a requerimentos, urgências, destaques, reposicionar a autonomia da bancada do DEM — diz Efraim Filho (PB), líder do DEM.
Já o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), afirmou: “O MDB independente foi aprovado na convenção que me elegeu presidente do partido em 2019. Apoiamos o que acreditamos ser bom para o País. A presença do MDB no bloco majoritário da Câmara se devia às cadeiras nas comissões. Manteremos diálogo com todos”.
O Republicanos também tem moderado o discurso nas últimas semanas para não se confundir com o grupo de Arthur Lira. Marcos Pereira (SP), presidente do partido, deve concorrer com Lira à presidência da Câmara no ano que vem. Os aliados de Maia irão lançar outro nome.
O grupo ligado a Rodrigo Maia — apoiado também por cerca de metade do PSL — não participou da última rodada de negociações de cargos com o Planalto e continua sendo o pêndulo de votações polêmicas na Câmara, papel típico atribuído ao “centrão”. São cerca de 150 deputados, auto-intitulados “centro independente” ou “Novo Centro”.
Assuntos de interesse do governo que poderiam dividir a Câmara no futuro próximo são o projeto de regularização fundiária e o que flexibiliza o registro de armas, por exemplo, além da reforma tributária, em que há interesses do Executivo em jogo. Além disso, o Planalto defende a liberação de cassinos no Brasil, proposta ainda não formalizada.
Atraso nas comissões
Segundo um deputado do centrão com bom trânsito nas cúpulas da Câmara e do Senado, o movimento de MDB e DEM pode ser lido politicamente como um “esvaziamento” de Lira. A decisão das legendas, ao mesmo tempo, representaria uma “outra acomodação de placas tectônicas”. Para ele, o novo arranjo de forças terá influência direta na sucessão para a presidência da Câmara.
Lira argumenta que o único propósito da formação do bloco era formar uma aliança entre legendas para a indicação de membros da Comissão de Orçamento. Entretanto, só houve o rompimento por causa de divergências políticas. A Câmara ainda não instalou as comissões permanentes da Casa este ano. Desde o início da crise do coronavírus, os projetos são levados diretamente ao plenário.
Deputados querem que a instalação das comissões ocorra na primeira quinzena de agosto, mas o martelo ainda não foi batido por Rodrigo Maia. Recentemente, houve uma costura para que o Republicanos abdicasse do direto de indicar um nome para a presidência do principal colegiado: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Após a eleição de Maia, ficou decidido que um deputado do partido comandaria a Casa em 2020. A negociação, no entanto, não foi adiante. O próximo presidente da CCJ terá, no máximo, cinco meses à frente do grupo.
Enquanto os partidos buscam alterar a configuração do jogo político, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), é criticado pelos aliados do Planalto na Câmara. Apesar de ser boa a relação de Vitor Hugo com o presidente Jair Bolsonaro, o mesmo não ocorre com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Lira disse que é natural que o bloco se desfaça, porque foi composto para ganhar espaço na Comissão Mista de Orçamento (CMO). Outros partidos já haviam deixado o bloco antes, como o Republicanos. Quando foi criado, em fevereiro deste ano, o bloco agrupava 351 deputados.
“O bloco de partidos que é chamado de centrão tem como objetivo manter o diálogo e a votação das pautas importantes para o país”, escreveu Lira. “O chamado bloco do centrão foi criado para formar a comissão de orçamento. Não existe o bloco do Arthur Lira. O bloco foi formado para votar o orçamento e é natural que se desfaça. Ele deveria ter sido desfeito em março, o que não aconteceu por conta da pandemia.”
Teste da base de Bolsonaro
A partir de quando o centrão se dividiu, aliados de Maia e Lira aguardavam o momento em que os dois testariam forças em uma votação. Na negociação do Fundeb, o governo e Lira tiveram de ceder e apoiar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição), sem força para adiar a votação, como queriam.
Além disso, caíram mal no Congresso as propostas do ministro da Economia, Paulo Guedes. Sua ideia inicial era adiar os efeitos do Fundeb para 2022, o que diminuiria o investimento em educação no ano que vem. Ele também queria atrelar uma parte do fundo ao Renda Brasil, programa de transferência de renda que o governo quer criar.
Nesse primeiro “teste”, a base de Bolsonaro foi derrotada. Governistas estimavam que, com o apoio de Arthur Lira, teriam cerca de 250 votos na Câmara. As propostas de Guedes chegaram tarde demais, no entanto, e foram mal recebidas por seu teor. O governo emplacou poucas alterações no projeto, decepcionando o ministro da Economia.
Somou-se a isso a insatisfação de deputados com a negociação em torno da verba de combate à Covid-19 transferida a prefeituras. O governo prometeu que cada parlamentar poderia indicar o destino de R$ 10 milhões, mas acabou liberando valores distintos dos negociados.
Por Natália Portinari e Bruno Góes (O GLOBO)