Saúde não é mercadoria
Posicionamento da Fiocruz e Conselho Nacional de Saúde para a Global Conference os Primary Health Care, Astana
Quarenta anos depois da Declaração de Alma Ata, que garantiu o direito humano universal à saúde, vem aí a Declaração de Astana, que resultará da Conferência Global de Atenção Primária à Saúde, realizada 25 e 26 de outubro, no Cazaquistão. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) reafirmam o compromisso da Declaração de Alma Ata com a defesa da justiça social, a saúde para todos e a superação das desigualdades entre e no interior dos países.
No primeiro dia do encontro será apresentada a declaração final com a incorporação de sugestões de vários países. As contribuições da Fiocruz e do Conselho Nacional de Saúde contrapõem alguns pontos defendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que, caso sejam aprovados, servirão como diretrizes para todos os países. A maior preocupação é que a Carta de Astana desvirtue a de Alma Ata: em rascunhos da Carta já divulgados, a ‘atenção primária à saúde” vem sendo tratada como “cobertura universal de saúde”, centrada na cobertura financeira, que não necessariamente garante acesso aos serviços de acordo com as necessidades de saúde.
Nos primeiros rascunhos da declaração da Carta de Astana observa-se a redução da Atenção Primária à Saúde (APS) à cobertura universal, o que restringe significativamente seu alcance; a ausência do chamado à responsabilidade governamental para garantia do direito à saúde; forte ênfase na participação do setor privado – e certamente há enormes interesses privados de seguradoras, indústria farmacêutica, de equipamentos, entre outros, na expansão de seus mercados pela proposta de cobertura universal, contudo nenhum conflito de interesse é mencionado; ênfase na responsabilidade individual na garantia da saúde e de sua atenção à saúde; não se menciona o problema das desigualdades sociais e a necessidade de redução destas para a garantia do direito à saúde, e nem se faz menção à justiça social, entre outras questões.
Para marcar sua posição, a Fiocruz compôs um grupo de trabalho que elaborou um documento de posicionamento em favor da Atenção Primária à Saúde integral, o direito universal de saúde e sistemas públicos universais de saúde – como o SUS. O documento foi sintetizado a partir de contribuições de pesquisadores da Fiocruz sobre os temas mencionados nas primeiras propostas da Carta de Astana e outros constantes da programação da conferência em Astana já disponível na internet. Integrantes deste grupo participarão da conferência em Astana.
A expectativa é que se consiga pressionar por uma declaração de Astana que reafirme a proposta abrangente de Atenção Primária à Saúde da Alma Ata e os princípios da Carta de Alma Ata de saúde para todos e justiça social. Que a carta aprovada avance em relação às primeiras proposições e que haja uma defesa mais clara do direito humano universal à saúde ao acesso de serviços de saúde conforme necessidades e da responsabilidade precípua dos governos na garantia deste direito.
Na região das Américas, a Opas teve que ampliar seu entendimento de cobertura universal para incluir acesso e garantia do direito humano à saúde, e recentemente, durante a reunião do seu conselho diretor, a comissão sobre Saúde Universal, presidida pela ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, apresentou um documento com preocupações como estas.
Justiça Social
Já nos objetivos da conferência global de Astana se inclui a Atenção Primária à Saúde à universal health coverage (UHC), cobertura universal de saúde (CUS). A CUS na forma como vem sendo difundida pelo Banco Mundial, Fundação Rockfeller e OMS centra-se na cobertura financeira, isto é, que cada indivíduo tenha um plano de seguro privado ou público, de modo que não incorra em gastos excessivos no ato de uso.
No entanto, a cobertura apenas financeira não necessariamente garante acesso aos serviços de saúde de acordo com as necessidades de saúde. Serviços de saúde não são distribuídos conforme necessidades de saúde se o governo não planejar e implantar um sistema em rede regionalizada com integração entre todos os níveis assistenciais que possam ser acessados conforme necessidade. Sem um desenho de sistema, se perpetuam desigualdades regionais e populações desfavorecidas não são cobertas.
Ao mesmo tempo, contratos de seguro implicam em definição de uma cesta de serviços cobertos que pode ser maior ou menor conforme a possibilidade de pagamento de cada um. A experiência de seguros focalizados para pessoas em extrema pobreza incentivada pelo Banco Mundial na América Latina produziu mais segmentação, mais iniquidade. Com seguros de saúde diferenciados por grupo populacional, as desigualdades são cristalizadas! Não se busca mais reduzir desigualdades sociais ou promover a justiça social! Muito diferente da proposta de sistema público universal de saúde que tem como princípio que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Muito diferente do que se propunha em Alma Ata.
Declaração de Alma-Ata Aprovada na Conferência Internacional de 1978, o principal legado da Declaração de Alma-Ata foi a concepção abrangente e integral de atenção primária à saúde. Na Declaração de Alma Ata, APS é entendida como estratégia para organizar os sistemas de saúde e garantir o direito humano universal à saúde. Tem três componentes essenciais: 1) é o primeiro ponto de contato e a base de sistemas de saúde de acesso universal e cuidado integral; 2) reconhece a inseparabilidade da saúde do desenvolvimento econômico e social, envolvendo a cooperação com outros setores para enfrentar os determinantes sociais e promover a saúde; 3) promove a participação social para o empoderamento dos cidadãos na defesa e ampliação dos direitos sociais. Em um contexto distinto do atual, de independência de colônias africanas, democratização, organização de países periféricos em movimento dos países não alinhados, a defesa de justiça social, equidade, solidariedade e redução de desigualdades sociais é muito destacada na Ainda que logo após a conferência de Alma, a Fundação Rockfeller, o Unicef e a OMS tenham difundido uma concepção seletiva de APS, um pacote mínimo de serviços para o grupo materno infantil e populações em extrema pobreza, esta concepção de APS integral conquistou corações e mentes ao redor de todo mundo na luta em defesa dos direitos humanos e orienta até hoje movimentos sociais locais e globais como o People Health Movement (Movimento pela Saúde dos Povos). Em estudo realizado pelo Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde sobre APS nos 12 países da América do Sul, a declaração de Alma Ata era mencionada em quase todos os documentos de políticas de APS como estratégia para reorientar os sistemas de saúde e garantir o direito universal à saúde. Seu legado é a defesa do direito humano universal à saúde e que uma outra forma de cuidado de saúde mais integral é possível. |
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Tenho muitas dificuldades pra conseguir emagrecer, espero que as suas dicas possam me ajudar a mudar essa realidade. Obrigada.