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Senado rejeita MP da minirreforma que tirava direitos trabalhistas

Bolsonaro acumula mais uma derrota ao tentar agradar empresários bolsonaristas

Em derrota expressiva para o governo, o Senado rejeitou, nesta quarta-feira, a Medida Provisória (MP) 1.045 que permitiu a redução de jornadas e salários durante a pandemia da Covid-19, mas também previa mudanças permanentes nas leis trabalhistas. Foram 47 votos contrários, 27 favoráveis e uma abstenção.

O texto estabelecia, entre outros pontos, a criação de uma nova modalidade de trabalho para jovens, sem a necessidade de carteira assinada, o que foi duramente criticado por senadores da base aliada e da oposição.

As novas modalidades de contratação eram a aposta do governo Jair Bolsonaro para gerar empregos em 2022, ano de eleições presidenciais. O governo trabalhava com uma previsão de gerar dois milhões de vagas com a medida.

Chamado de Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), o programa era destinado a jovens entre 18 e 29 anos; pessoas sem vínculo empregatício há mais de dois anos; e trabalhadores de baixa renda.

O Requip sugeria o pagamento de uma bolsa de até R$ 550, a depender da carga horária, que seria de até 22 horas semanais. Em contrapartida, as empresas teriam que garantir qualificação profissional.

Outro programa, o Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), foi desenhado para desonerar a contratação de jovens de 18 a 29 anos e pessoas com mais de 55 anos. Ele incluía a redução da alíquota do recebimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

A MP ainda criava o serviço social voluntário, pelo qual prefeituras poderiam contratar temporariamente pagando o salário mínimo hora aos trabalhadores, enquanto o governo concederia um incremento de até R$ 125.

Antes da votação, havia um acordo costurado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), para que o texto fosse votado incluindo os três programas, mas sem pontos de maior divergência como a redução no valor da hora extra para profissionais com jornada diferenciada e as restrições no acesso de trabalhadores à justiça gratuita.

Bezerra garantiu que os deputados respeitariam as mudanças feitas pelo Senado e chegou a prometer que deixaria o cargo caso o acordo não fosse cumprido na outra Casa. Ainda assim, cresceu a indisposição dos senadores com a matéria ao longo da discussão.

O líder do MBD, Eduardo Braga (AM), que instantes antes da votação era favorável ao acordo com Bezerra, mudou de posição:

— Nós não queremos aqui ser coniventes com nenhuma retirada de direito dos trabalhadores. Ainda há pouco, o Senador Omar (Aziz) se manifestou; ainda há pouco, o Senador Otto (Alencar) se manifestou. Eu falo dos dois por serem do PSD, segundo maior partido no Senado da República. O MDB é o maior partido, com 16 Senadores. Todos se manifestaram no sentido contrário ao conteúdo de reforma trabalhista através de MP — afirmou Braga.

O senador acrescentou:

— Não há como deixar de me manifestar em defesa do trabalhador e contra a MP não pelo texto original, mas pelo que se construiu com o ingresso de 73 novos artigos, que visam mudar a CLT por um atalho sem que haja um grande debate nacional, sem que haja uma grande conciliação nacional em torno de uma modernização trabalhista.

Presidente da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM) criticou a interlocução do governo com o Senado e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Para Aziz, o que solucionará a situação atual do Brasil é ter logística e infraestrutura, algo que, de acordo com ele, não há na gestão atual.

— Com a gasolina a R$7,o diesel a não sei quanto, o gás a 10% do salário mínimo, o governo quer oferecer R$125 por trabalhador e acha que a gente está fazendo grande coisa? Não. Há mais de 14 milhões desempregados no Brasil e não é com política paliativa que nós vamos resolver esse problema. O Brasil precisa de uma política econômica, coisa que o Paulo Guedes nunca entregou. A conversa dele é acusar os outros. “Ah, porque o Senado não votou isso, não votou aquilo” — disse Aziz.

O senador Paulo Paim (PT-RS) também criticou o discurso daqueles que defendem a flexibilização das leis trabalhistas e fez um paralelo com o período da escravidão:

— Eu vejo alguns dizerem: ‘Mas o povo está com fome”. Sim, no tempo da escravidão também eles diziam isso. Então, vamos revogar a Lei Áurea? No tempo da escravidão, eles estavam com fome, e o que eles fizeram com a parte daqueles que foram libertos sem direito nenhum? Presidente, eles tiveram de se contentar a trabalhar por um prato de comida. Não é isso que nós queremos neste País.

Pelo Twitter, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, lamentou o resultado da votação. “Lamentável o Senado derrubar uma oportunidade de renda e, principalmente qualificação, fechando a porta para milhões de pessoas. Nós vamos seguir nosso trabalho a favor do Brasil.”

Acordo frustrado

Ao prometer que a Câmara cumpriria o acordo proposto pelo governo, o líder Fernando Bezerra sugeriu colocar o cargo à disposição.

— Eu quero dizer, em nome da Liderança do Governo, que sou honrado com a atenção e com o respeito de todos os líderes e de todos os membros desta Casa, que, se essa matéria, se o relatório do Senador Confúcio (Moura) aprovado aqui nesta Casa não for respeitado pela Câmara dos Deputados, eu me retiro da Liderança do Governo. Não tenho condições de continuar, porque os acordos estão sendo feitos para serem cumpridos, e esta é uma matéria importantíssima — disse Bezerra.

Para senadores, a iniciativa de Bezerra demonstrou um gesto de desespero, além de indicar que há pouca credibilidade nos acordos feitos pelo governo e pela Câmara.

— Presidente, eu nem quero entrar, no momento, no mérito, mas o que tem que ser feito urgentemente, presidente, é uma reunião convocada por Vossa Excelência para que haja uma conversa entre Senado, Câmara e Executivo. Não dá para continuar, e todos que me antecederam, inclusive o Senador Otto e o Senador Oriovisto, todos, disseram que a Câmara não vai cumprir o acordo. Chegamos ao ponto, agora, de o Líder Senador Fernando Bezerra, meu querido e competente amigo, dizer “olha, se não cumprir, eu entrego meu cargo” — afirmou o senador Izalci Lucas (PSDB-DF).

— Eu tenho o maior respeito pelo líder do Governo, mas acho que o líder do governo, o nosso colega senador Fernando Bezerra, deveria ter convencido a Câmara a não acrescentar mais de 70 jabutis — declarou Zenaide Maia (PROS-RN), em referência aos 71 artigos incluídos pelos deputados.

Diante do risco iminente de derrota, Bezerra sugeriu fazer mudanças no texto após a votação já ter iniciado em busca de um novo acordo, mas os senadores não aceitaram.

Por Júlia Lindner e Geralda Doca (O Globo)

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