PINHEIRO-MA

“Vacina Social”

Artigo escrito por Sandra Fragoso

“[…] mais um caso de violência contra a mulher… o principal suspeito é o ex-companheiro da vítima que, segundo as primeiras informações, não aceitava o término da relação”.

Já parece manchete pronta, e de certa forma é, se relacionarmos os casos noticiados às estatísticas de pesquisas divulgadas na imprensa em geral. Segundo a Folha de São Paulo (2019), o resultado da consolidação de dados apontou 1338 crimes de feminicídio registrados em 2019 e, conforme dados do Ministério da Saúde, a cada 4 minutos uma mulher é vítima de agressão no Brasil. Para reforçar as estatísticas alarmantes, o Brasil ocupa o 5° lugar no mundo em crimes de feminicídio segundo o IPEA (2015).

E trazendo essa realidade para o contexto atual do nosso  Estado,  segundo  informa  em matéria do jornal O imparcial (2021), até este mês  já foram registrado sete mil queixas de violência contra a mulher e 35 feminicídios no Maranhão.

 A violência contra a mulher é uma tragédia anunciada construída todos os dias nas relações dessa sociedade que tem no patriarcado seus princípios fundantes.

As ciências humanas são congruentes em afirmar que o indivíduo é resultado de um construto social, ou seja, os valores, comportamentos e a formação de caráter se moldam dentro dos paradigmas no qual ele é criado ou nos grupos sociais que frequenta – família, igreja, escola e outros. Portanto, questões históricas e culturais estão envolvidas na estruturação da violência contra a mulher nos diversos estratos sociais e nas instituições de poder.

A forma inferiorizada e desigual com a qual é tratada a mulher é tão evidente que se revela até nos mais altos escalões do Estado, explanando o machismo estrutural que reverbera por todos os setores da sociedade. Fazendo um breve levantamento da relação entre a quantidade de homens versus mulheres nos altos postos políticos do Estado e suas instituições, percebe-se o abismo na ocupação dos cargos.

Dos 27 ministros do Superior Tribunal de Justiça, apenas seis são mulheres. No Supremo Tribunal Federal, a situação é ainda pior: temos apenas duas ministras mulheres ocupando as cadeiras do nosso Egrégio Tribunal.

O Congresso Nacional não se distancia dessa triste realidade. Isso porque dos 81 senadores, somente doze são mulheres, e há menos de cem Deputadas Federais dentre as mais de 500 cadeiras na Câmara.

Trazendo para uma perspectiva regionalizada, nas eleições de 2020 o Parlamento da nossa capital São Luís presenciou o aumento de três para cinco mulheres Vereadoras dentre as 31 cadeiras. Em âmbito estadual, dos 42 Deputados, apenas seis são mulheres. Considerando que o público feminino constitui mais da metade público eleitor da capital, surge o questionamento: a negação da própria mulher à sua representatividade seria parte da descrença de si mesma, colocando-se sempre em condição de inferioridade ao homem?

O machismo também se faz presente de forma cristalina nas investigações que envolvem a pandemia Covid-2019, uma vez que NENHUMA mulher integra a Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo todos os seus 11 titulares e 7 suplentes do sexo masculino. Vale destacar, também, as falas recorrentes de viés machistas proferidas pelos membros da CIP durante as reuniões contra senadoras e convidadas, sugerindo que estas estejam nervosas ou descontroladas apenas por discordarem dos seus dizeres.

     Mas como se dá a construção do pensamento machista?

A criança desde a mais tenra idade internaliza as falas, opiniões e principalmente as ações dos adultos que a cercam, tomando-nos como exemplos a serem seguidos. Nesse sentido, é fácil perceber que a construção do pensamento machista se dá, geralmente, no próprio seio intrafamiliar e nas interações com outros grupos sociais, através de falas pejorativas que inferiorizam a mulher e que são naturalizadas na sociedade.

O não reconhecimento dos direitos das mulheres ajuda a formar, em ambos os sexos, uma imagem desigual em relação ao seu gênero oposto. Por isso, o pensamento e comportamento machista tido como culturais desencadeiam uma série de agressões morais, psicológicas e físicas contra a mulher.

“A subjugação máxima da mulher por meio de seu extermínio tem raízes históricas na desigualdade de gênero e sempre foi invisibilizada e, por consequência, tolerada pela sociedade. A mulher sempre foi tratada como uma coisa que o homem podia usar, gozar e dispor.” Marixe Fabiane Lopes Rodrigues, juíza de Direito do Tribunal de Minas Gerais.

 O que é a violência doméstica contra a Mulher?

Nos termos do artigo 5° da Lei Maria da Penha, “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento, físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” é considerado violência doméstica contra a mulher.

Segundo os especialistas no assunto, a violência doméstica contra a mulher geralmente segue um ciclo, começando com agressões verbais e uso de termos pejorativos, desenvolvendo na mulher um sentimento de inferioridade. Em seguida, o agressor parte para ações que são, na maioria das vezes, relevadas, como um puxão no braço ou um beliscão. A essa altura o sinal de alerta deve ser dado, pois as situações de agressão costumam se desenvolver de forma ascendente, resultando em lesões cada vez mais gravosas que podem culminar inclusive na morte da vítima.

A violência contra a mulher é fruto de uma sociedade de cultura patriarcal, marcada pelo colonialismo, como afirmou a jornalista e mestre em Ciência Política, integrante da Rede Saúde das Mulheres latino-americanas e do Caribe (RSMLAG), Télia Negrão, em entrevista a Kátia Nanko e Fabiana Reinolz, no “Brasil de Fato”:

 “A violência contra as mulheres tem raiz numa cultura patriarcal, machista, que trata as mulheres com inferioridade, que delega aos homens o poder sobre as suas vidas, seus corpos, suas ideias. É uma cultura que dá legitimidade aos homens para domesticar as mulheres e moldá-las de acordo com seus padrões e referências, e se necessário, matá-las”.

Conheça o caso que deu nome deu nome à Lei Maria da Penha

A Lei 11.340/2006 ficou conhecida como Lei Maria da Penha em homenagem a Maria da Penha Fernandes, farmacêutica cearense que foi vítima de violência doméstica durante 6 anos por parte do então marido, o colombiano Sr. Marco Antônio Heredios Viveros.

Além das inúmeras agressões físicas, Maria da Penha sofreu duas tentativas de assassinato em 1983, sendo a primeira um tiro de espingarda que a deixou paraplégica aos 38 anos e, a segunda, uma eletrocussão covarde enquanto estava no banheiro, sentada na cadeira de rodas.

 Apesar do primeiro julgamento ter ocorrido oito anos após as agressões, os advogados do réu conseguiram a anulação em 1991. No novo julgamento, Marcos Antônio foi julgado e condenado a dez anos de prisão em regime fechado, porém só foi preso em 2002.

 A morosidade da justiça e o descaso do Estado no que tangia à violência doméstica, somados à inefetividade do sistema judicial brasileiro para dar um desfecho ao caso, fizeram o crime repercutir internacionalmente, levando o Brasil a ser apontado como um Estado violador de vários dispositivos da Convenção Americana, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da 7° Convenção de Belém do Pará.

Em decorrência disso, em 2001 foi emitido o relatório n° 54/2001 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos responsabilizando o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica, fazendo ainda várias recomendações ao Estado brasileiro, dentre as quais destaco:

 Implementação de políticas alternativas às judiciais que, no sentido de agilizar o atendimento e resolução de conflitos intrafamiliares; capacitação e sensibilização dos profissionais- policiais, judiciário- a fim de lhes despertar maior compreensão do universo feminino e, assim, prestar um atendimento mais personalizado e humanizado à mulher.

O documento destacou também a necessidade de se criar uma visão pedagógica do assunto, sugerindo a inclusão curricular da importância de compreender e respeitar a mulher e seus direitos firmados na Convenção de Belém do Pará.

A reunião de várias entidades resultou na definição de um anteprojeto de lei especificando e definindo as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a partir do que, em 2006, tornou-se a Lei 11.340/06.

Antes da Lei Maria da Penha, agressores que cometiam crimes contra a mulher não ficavam presos, apenas pagavam o delito com penas alternativas como cestas básicas e prestação de serviços comunitários. A vigência da lei possibilitou a prisão em flagrante e preventiva dos agressores, incentivando e encorajando as vítimas a denunciarem os crimes.

O que é o feminicídio?

 É o termo empregado para denominar assassinatos cometidos contra a mulher em razão do gênero, por sua condição de mulher. No Brasil, o termo ganhou notoriedade a partir de 2015 com a Lei do Feminicídio (Lei n° 13.104). O último levantamento quantitativo nacional do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que o Brasil ocupava o 5° lugar no mundo em crimes de feminicídio e, após a vigência da Lei Maria da Penha, houve uma queda de cerca de 10% na progressão dos números de assassinatos domésticos.

A Lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do feminicídio, introduz uma qualificadora na categoria de crimes contra a vida e acrescenta o feminicídio no rol de crimes hediondos. Confira os dispositivos da lei:

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

 

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

  • 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I-violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Aumento de pena

  • 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

Art. 2º O art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:

Art. 1º

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI);

Por que devemos trazer o debate para dentro das escolas e universidades?

Dentro desse viés de construção de conceitos e caráter, especialistas defendem que urge trazer a discussão para dentro das escolas, observando como se dão as relações de vivência entre os gêneros.

Trabalhar a interdisciplinaridade para abordar diversas temáticas envolvidas a partir dos próprios conteúdos curriculares na construção dos gêneros, através de palestras e projetos pedagógicos, e convidar a família e a comunidade para interagir no debate junto à escola e as crianças, são iniciativas que podem funcionar como ‘vacina social’ na desconstrução do pensamento machista, na prevenção e  combate à violência doméstica contra a mulher

A formação desse pensamento se dá, principalmente, a partir de falas pejorativas contra a mulher, colocando-a numa posição de inferioridade, submissão e subserviência em relação ao homem. Tal entendimento surge da constatação de que muitos agressores cresceram dentro de um histórico de violência doméstica, como, por exemplo, presenciando o pai bater na mãe.

É claro que trazer esse debate para a seara educacional não se faz suficiente para enfrentar as diversas violências praticadas contra a mulher, mas é  pressuposto essencial para se pensar em desenvolver políticas de enfrentamento que atuem de ‘baixo para cima’- nas raízes que geram o problema – e não de ‘cima para baixo’ – quando a árvore já gerou os frutos podres.

Propostas educativas de conscientização

Dentro dessa perspectiva de conscientização através da educação e interação comunitária, surgem propostas como o Projeto de Lei n° 249/21 da vereadora Fátima Araújo do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que tramita na Câmara Municipal de São Luís e traz em seu corpo a proposta de levar o debate para dentro das Escolas de ensino da Rede Municipal de São Luís.

Conforme matéria publicada aqui no G7, a proposta da parlamentar sugere que se crie a “Semana Municipal de Ações Voltadas para a Lei Maria da Penha”, visando levar para as escolas do 6° ao 9° ano do Ensino Fundamental II a conscientização e esclarecimento da importância da lei Maria da Penha na prevenção e combate à violência contra a mulher, através de debates, palestras e estudos.

Ainda, o PL n° 249/21 sugere às instituições de ensino a formação de parcerias com órgãos e instituições de atendimento e acolhimento à mulher, além do desenvolvimento das ações da ‘semana pedagógica’ que realizar-se-ia a partir de 7 de agosto.

 Convém salientar que propostas como o PL n° 249/21 atendem a uma das considerações feitas pela ONU Mulheres em nota pública pelos dez anos (2016) em defesa da lei e da institucionalização das políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres, onde entre outras coisas defende: “promover ações preventivas nas escolas por meio do ensino da igualdade de gênero”.

Portanto, é de suma importância e necessidade a implementação de projetos como o da Vereadora Fátima Araújo, a fim de que se chame a atenção da comunidade escolar, da sociedade em geral e dos poderes públicos para a violência sofrida pela mulher por sua condição de gênero.

 O que é o projeto ‘Somos todos Marianas’?

Entenda o caso:

 O assassinato da empresária Mariana Costa que foi estuprada e asfixiada até a morte, segundo as investigações, por não ter correspondido ao sentimento do agressor (seu cunhado), teve grande repercussão no Estado.

 A família resolveu transformar a dor da perda no ‘Projeto somos todos Marianas’ que leva para os bairros e escolas palestras e ações sociais trazendo informação de como usar a educação na desconstrução do patriarcado e do machismo. A mobilização visa desmistificar estereótipos acerca dos papéis do homem e da mulher dentro da sociedade, destacando a importância na revisão de conceitos pejorativos como um dos caminhos na prevenção e combate da violência contra a mulher.

Como denunciar a violência doméstica?

  • Casa da mulher Brasileira em São luís- (98) 3198 0100
  • Delegacia Especial da Mulher (DEM) em São luís- (98) 3214 8649
  • Casa da Mulher Brasileira em Imperatriz- (99) 98405- 6193
  • Delegacia online
  • Em Imperatriz:(99) 99193-1717 / 99123- 4638 / 99204- 7925
  • Delegacia da Mulher e a Patrulha Maria da Penha- 3223- 5800 (capital) e 0300 3135-800(interior)

A denúncia pode ser feita em qualquer delegacia de polícia, e a vítima será encaminhada para a Delegacia Especial da Mulher (DEM).

Também, qualquer pessoa ao presenciar ou tomar conhecimento de alguma agressão contra a mulher pode ligar para o “Disque 100” ou “Dique 180” e comunicar o fato às autoridades, sendo-lhe preservado o anonimato. Vale ressaltar que “em briga de marido e mulher se mete a colher, sim!”.

Não se cale, a sua denúncia pode salvar vidas!

 A Casa da Mulher Brasileira –  instituição de acolhimento e apoio às vítimas de violência doméstica

A Casa da Mulher Brasileira presta serviços de assistência social, jurídico e psicológico às mulheres vítimas de violência doméstica que formalizam a denúncia através de um Boletim de Ocorrência (BO) em qualquer Delegacia de Polícia.

A mulher agredida que não se sentir segura para retornar para a sua residência dispõe de abrigo temporário na CMB (Casa da Mulher Brasileira).

Considerações finais

 As políticas de enfrentamento são essenciais no combate à problemática da violência doméstica contra a mulher, principalmente se aliadas a medidas educacionais que visam prevenir e evitar o agravamento do comportamento machista.

É urgente e necessário que a sociedade como um todo repense conceitos que coisificam e objetificam a mulher, como se esta não tivesse sonhos, desejos, projetos ou quereres próprios.

 O Estado e a sociedade não devem permitir a relativização da violência contra a mulher, subvertendo os valores e culpabilizando a vítima, pois estas são agredidas, violentadas, mortas e silenciadas por aqueles que diziam amá-las.

 Diante de tantas ações e leis criadas para combater – não só essa mas outras pautas -, fico a me questionar:

 Por que não à educação? Por que sempre a negam ou a ignoram como saída eficaz e segura no enfrentamento das problemáticas que tanto afligem a sociedade? Por que, até hoje, não levaram a discussão quanto à construção do gênero para dentro das escolas?

            O silêncio mata.

Fontes: ALVES, Thiago. A Lei Maria da Penha Completo. Jus, 2018. Artigo de site. Disponível em <CLIQUE AQUI>

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