Câmara rejeita PEC do voto impresso, em mais uma derrota de Bolsonaro
Bolsonaristas não conseguem reunir 308 votos e derrota foi inevitável na Câmara Federal
A Câmara dos Deputados rejeitou nesta terça-feira, em plenário, a proposta que previa a implementação do voto impresso a partir de 2022, umas das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. Por 229 votos a favor e 218 contra e uma abstenção, o governo foi derrotado mais uma vez, e o texto foi arquivado — são necessários ao menos 308 votos para alterar a Constituição. Em comissão especial, o texto já havia sido rejeitado por ampla maioria. Com o resultado, os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), esperam agora que Bolsonaro não faça mais ameaças à realização do pleito.
A resposta de deputados ocorre no mesmo dia em que o presidente da República participou de um desfile de blindados das Forças Armadas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Durante a votação, parlamentares avisaram que não aceitarão qualquer tentativa de golpe. Também associaram o evento a uma tentativa de intimidação ao Poder Legislativo.
Para que pudesse ir ao Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) precisaria de um apoio de três quintos dos deputados, em dois turnos de votação. O que se viu no painel da Casa, no entanto, foi uma derrota.
Parlamentares de partidos de centro, independentes e de oposição deram o recado de que não aceitarão qualquer ameaça ao processo eleitoral, como chegou a fazer Bolsonaro em diversas ocasiões. Antes da votação, orientaram contra PT, PL, PSD, MDB, PSDB, PSB, PDT, SD, DEM, PSOL, Avante, PCdoB, Cidadania, PV e Rede. Já Republicanos, PSL e Podemos foram a favor da proposta. Já o PP, partido do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, liberou a sua bancada para que seus deputados votassem como quisessem. PSC, PROS, Novo e PTB também não firmaram uma posição.
Antes da análise do mérito, prevendo a derrota, o líder do PSL, Vitor Hugo (PSL-GO), se posicionou contra requerimento que possibilitou a votação na sessão desta terça-feira. O parlamentar bolsonarista queria adiar a deliberação para tentar angariar mais apoio.
— Tenho percebido que líderes têm mudado de opinião. Queremos mais tempo, para termos transparência. Peço que não quebrem o interstício (requerimento que possibilitou a votação da PEC) para que consigamos mais votos — apelou Vitor Hugo.
Já a autora da proposta, Bia Kicis (PSL-DF), afirmou que o “rumo do debate foi completamente desvirtuado”. Sem citar os ataques de Bolsonaro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou as ameaças à realização do pleito, tentou no último momento convencer os colegas.
— Essa é a PEC dos brasileiros que querem transparência e a segurança das urnas. Temos que despolitizar o tema — discursou Bia Kicis.
Parlamentares de oposição, por outro lado, acusaram o governo de erguer “uma cortina de fumaça” diante dos graves problemas do país.
— Já que não estamos discutindo o impeachment, que a Câmara dos Deputados enterre a proposta; que a Câmara do Deputados não se apequene com ameaças golpista; não se apequene com o desfile de hoje de manhã; não se apequene diante das ameaças de não se realizar as eleições — discursou a líder do PSOL, Fernanda Melchionna (RS).
Autor de um pedido de auditoria feito ao TSE sobre o resultado das eleições presidenciais em 2014, quando Aécio Neves (PSDB) foi derrotado por Dilma Rousseff (PT), o deputado Carlos Sampaio defendeu a Justiça Eleitoral. Argumentou que o sistema permite a auditoria e é seguro.
— Tenho que ter a coragem de dizer aqui: em 2019, com a resolução 23.603 (do TSE), o tema foi debelado. Nós, do nosso partido, não temos mais dúvidas. Eu, como deputado, não tenho mais a menor dúvida de que o sistema é seguro. Volto a dizer: universidades brasileiras, Ministério Público, OAB, todos os centros de tecnologia da sociedade, Forças Armadas, todos (supervisionaram a segurança das urnas) — afirmou Carlos Sampaio.
Mais cedo, ao chegar à Câmara dos Deputados, Lira deixou claro que conta com a palavra dada por Bolsonaro para diminuir as tensões entre os poderes. O chefe do Executivo sinalizou que reconheceria a decisão dos parlamentares. Em decisão pouco usual anunciada na semana passada, Lira decidiu colocar a PEC para votação em plenário, mesmo com a derrota do governo na comissão especial.
— Se não passar (a PEC), há um compromisso do presidente da República, isso ficou claro, de que aceitará o resultado do plenário da Câmara dos Deputados. E é isso o que eu espero — disse Lira.
O presidente da Câmara afirmou ainda que recebeu um convite de Bolsonaro por Whatsapp para participar do desfile na Esplanada. Mas não compareceu. O governo nega que a cerimônia tivesse o objetivo de pressionar o Legislativo. Em nota, a Marinha tratou o caso apenas como um evento preparatório para o exercício militar na cidade goiana de Formosa.
— Eu disse ontem. Estamos numa democracia. Não é usual (o desfile). A questão da operação Formosa, ela acontece desde 1988 e nunca houve um desfile dos veículos bélicos pela Esplanada — disse Lira.
O deputado defendeu ainda um “acordo” entre poderes para que a auditagem dos próximos pleitos seja ampliada.
— Todos os deputados que estão aqui foram eleitos pelo sistema eletrônico. Eu já participei de muitas eleições, seis delas no sistema eletrônico. Eu não posso e não devo dizer que o sistema não é correto. Mas eu sempre disse também que não custa nada nós chegarmos em um acordo pacífico entre os poderes de se aumentar a auditagem das urnas.
O assunto também reverberou no Senado. Antes da votação, o presidente da Casa disse que “nada nem ninguém” irá intimidar o Congresso. Rodrigo Pacheco também reafirmou seu “compromisso com a democracia” e com o Estado Democrático de Direito.
— Sobre essa manifestação de hoje, desfiles de tanques das Forças Armadas em Brasília, que muitos senadores apontaram como algo que seria indevido, inoportuno, um tanto aleatório, devo dizer para aqueles que assim interpretaram que está reafirmado nosso compromisso com a democracia e absolutamente nada nem ninguém haverá de intimidar as prerrogativas do Parlamento — disse Pacheco, durante sessão do Senado.
Integrantes da CPI da Covid foram os primeiros a se pronunciar durante o dia. O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM) disse que o desfile é uma demonstração de fraqueza.
— Bolsonaro não tem o direito de usar a máquina pública para ameaçar a própria democracia que o elegeu. Em apenas dois anos e meio de mandato, Bolsonaro colocou o país nessa posição vexatória. Degradou as instituições, e rebaixou as Força Armadas, formadas em sua grande maioria por homens sérios e honrados. Todo homem público, além de cumprir suas funções constitucionais, deveria ter medo do ridículo — disse Omar Aziz.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) destacou frase de Ulysses Guimarães, que disse “traidor da constituição é traidor da pátria”. Assim como Omar, Randolfe também afirmou que o desfile é uma demonstração de fraqueza.
Por Bruno Góes (O Globo)