Inquérito da Polícia Federal conclui que Bolsonaro vazou dados sigilosos
Segundo a PF, Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PSL) e o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, atuaram com o objetivo de espalhar informações falsas sobre urnas eletrônicas
A Polícia Federal (PF) concluiu que o presidente Jair Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PSL) e o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens da Presidência da República, divulgaram uma investigação sigilosa que apura um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tendo cometido o crime de violação de sigilo funcional. O objetivo, de acordo com a PF, foi espalhar informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Com isso, houve danos à confiança no sistema de votação usado no Brasil. Segundo a delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, a ausência de Bolsonaro, que deixou de cumprir uma ordem judicial para prestar depoimento na última sexta-feira, não atrapalhou o trabalho. A Advocacia-Geral da União (AGU), que defende o presidente, vem sustentando que o inquérito sobre o ataque hacker não era sigiloso, versão que é contestada pela PF.
Embora a Polícia Federal tenha concluído que houve crime, Bolsonaro e Filipe Barros não foram indiciados porque há um entendimento, entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de que essa medida só pode ser aplicada a pessoas com foro privilegiado se houver prévia autorização. Assim, apenas o ajudante de ordens foi indiciado. O documento está agora no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF) de um inquérito aberto para apurar o vazamento. O próximo passo agora deverá ser encaminhar o trabalho da PF para manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras, que poderá concordar ou não com a PF. O indiciamento é apenas a conclusão da polícia de que há elementos para atribuir a uma pessoa responsabilidade por um crime.
Em trecho do documento entregue ao STF, a delegada escreveu: “Todos, portanto, revelaram fatos que tiveram conhecimento em razão do cargo e que deveria permanecer em segredo até conclusão das investigações, causando danos à administração pela vulnerabilização da confiança da sociedade no sistema eleitoral brasileiro e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tudo com a adesão voluntária e consciente do próprio mandatário da nação.”
A delegada destacou que o inquérito sobre o ataque hacker “continha diligências investigativas sigilosas em andamento e que não deveriam ter sido publicizadas a particulares, pois estavam relacionadas à apuração”.
Ainda segundo a delegada: “Por fim, não se procedeu à tomada de declarações de Jair Messias Bolsonaro, diante do não atendimento da ordem judicial de comparecimento para oitiva. Essa ausência, por outro lado, não trouxe prejuízo ao esclarecimento dos fatos”.
O inquérito foi aberto no STF a pedido do TSE. Ele foi obtido pelo deputado, em requerimento enviado ao delegado da PF Victor Neves Feitosa Campos, para subsidiar os trabalhos de uma comissão na Câmara que analisava uma proposta do voto impresso. Os dois foram ouvidos pela Polícia Federal.
O delegado disse que forneceu os autos da investigação do ataque hacker ao deputado para ajudar nos debates da comissão, tendo sido surpreendido pela informação de que, em 4 de agosto, Filipe Barros e Bolsonaro estavam divulgando seu teor na transmissão ao vivo. O delegado informou não ter sido comunicado que haveria essa divulgação. Disse ainda que, no curso da sua investigação, não identificou qualquer elemento que permitisse afirmar que houve manipulação ou fraudes em qualquer eleição, ou violação às urnas eletrônicas.
Segundo o termo de depoimento do delegado, ele “acrescenta que caso se entenda que exista informação sigilosa ou restrita nos autos fornecido ao deputado federal Filipe Barros, esse dever de sigilo foi repasso formalmente ao deputado federal na medida que em que houve uma resposta formal da Polícia Federal ao pedido também feito formalmente”. A delegada Denisse, responsável pela apuração do vazamento, não indiciou o colega por entender que ele não teve a intenção de vazar os documentos.
Outra pessoa ouvida foi Mario Alexandre Gazziro, um professor de engenharia e de computação forense que assessorou o deputado na comissão da Câmara. Ele participou da “live” de Bolsonaro e contou à PF que, ao receber cópia dos autos, foi alertado de que era um procedimento sigiloso. Disse ainda que, pela análise do ataque hacker, não era possível concluir que houve fraude ou manipulação de votos na eleição de 2018, e que discorda das insinuações feitas por Bolsonaro. Contou também que, se soubesse que haveria o vazamento, não teria participado da transmissão ao vivo.
Um perito da PF, que atuou na investigação do ataque hacker, também foi ouvido. Ele disse ter sido procurado por Filipe Barros, que queria um encontro, mas respondeu que estava em teletrabalho e isolamento social, e sugeriu que o deputado procurasse os “canais hierárquicos” caso tivesse algum interesse em reunião.
Filipe Barros disse à PF que entregou pessoalmente a Bolsonaro uma cópia impressa do inquérito sobre o ataque hacker. Segundo o termo de depoimento, ao ser questionado por que divulgou o conteúdo do inquérito policial em desvio de finalidade, ou seja, fora do âmbito das discussões sobre a proposta do voto impresso em discussão na Câmara, ele “respondeu que não houve desvio da finalidade”.
No relatório, a delegada da PF afirmou o ajudante de ordens Mauro Cid tentou justificar suas ações dizendo que o deputado lhe apresentou um documento atestando que não havia sigilo, “informação essa inexistente nos autos”. Segundo o termo de depoimento, ele afirmou que a transmissão ao vivo “foi apresentada de forma extraordinária a pedido do deputado federal Filipe Barros, pois a ideia era apresentar o conteúdo do inquérito policial envolvendo o caso relacionado a invasão no TSE”.
Os arquivos da investigação foram encaminhados a ele por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. De acordo com o termo de depoimento do ajudante de ordens, “o deputado encaminhou o mencionado arquivo em razão da solicitação feita pelo presidente, pois ele informou que iria divulgar o conteúdo do inquérito nas redes sociais”. Assim, o deputado “encaminhou 4 arquivos, sendo o conteúdo integral do inquérito e mais três outros de documentos considerados mais relevantes existentes dentro da investigação”.
Os arquivos foram encaminhados ao irmão de Mauro Cid, que os disponibilizou em um servidor nos Estados Unidos, permitindo seu acesso na internet. À PF, o irmão contou que tirou o link do ar depois que o ajudante de ordens da Presidência da República solicitou sua remoção.
Na terça-feira, durante a primeira sessão do TSE no ano, o presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso, criticou Bolsonaro e disse que a atitude do presidente expôs dados que ajudam “milícias digitais e hackers” que queiram invadir o sistema do TSE.
— Informações sigilosas que foram fornecidas à Polícia Federal para auxiliar uma investigação foram vazadas pelo próprio presidente da República em redes sociais, divulgando dados que auxiliam milícias digitais e hackers de todo mundo que queiram invadir nossos equipamentos. O presidente da República vazou a estrutura interna da TI [tecnologia da informação] do Tribunal Superior Eleitoral. Tivemos que tomar uma série de providências de reforço da segurança cibernética dos nossos sistemas para nos proteger. Faltam adjetivos para qualificar a atitude deliberada de facilitar a exposição do processo eleitoral brasileiro para ataques criminosos — disse Barroso na terça.
Por André de Souza (O Globo)